Maria Antónia Oliveira participou hoje num encontro promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que durante dois dias vai juntar vários autores portugueses e estrangeiros para debater “a arte da biografia”.
A sessão de hoje de manhã, que ditou a abertura da conferência, contou com a participação da escritora britânica Sarah Bakewell, autora de uma biografia sobre Montaigne, e Maria Antónia Oliveira, autora de “Alexandre O’Neill, Uma Biografia Literária”, que será este mês reeditada, em versão revista e aumentada.
Durante a sua exposição, a escritora portuguesa disse que atualmente se encontra a trabalhar na biografia de Cesário Verde e revelou que tinha começado a da poetisa e tradutora Luiza Neto Jorge (1939-1989), mas que esta “ficou parada”.
“O projeto Luiza Neto Jorge ficou suspenso por falta de financiamento. Já estava em contacto com o herdeiro dela, o Dinis Jorge, e sei que o espólio dela está numa casa no Algarve um bocadinho abandonado”, revelou.
Maria Antónia Oliveira considerou que Luiza Neto Jorge “seria uma bela biografada” e confessou: “Tive imensa pena de não poder fazer [a biografia]”.
Sobre o seu trabalho de biógrafa – um género que conheceu por causa de uma encomenda para a biografia de Alexandre O’Neill – confessou a dificuldade que sente atualmente em investigar a vida de alguém que já morreu há tanto tempo.
“Agora estou a braços com o Cesário e com os seus antepassados. É um tecido muito morto. Há muitos avós e bisavós, às tantas perco-me e pergunto onde está o biografado”, contou.
A biografia de Cesário Verde é o que a autora chama de “biografia de secretária”, porque não pode entrevistar ninguém.
“Sinto muita falta disso, porque há muito pouca informação sobre o Cesário”, lamentou, admitindo que mesmo com toda a investigação que já fez sobre o século XIX e sobre a vida do poeta, continua a sentir que não sabe muito.
“É complicado, porque ele morreu com 37 anos, não foi aclamado em vida, e houve um incêndio, no início do século XX, em que arderam os papéis dele. A figura do Cesário é mais esfumada. Quase não há retratos dele, há três ou quatro, um deles do Columbano [Bordalo Pinheiro], há poucas cartas, escondidas por aí. Gostava de ter acesso a elas, é um problema que terei de resolver”.
A situação com o poeta Alexandre O’Neill foi completamente diferente, pois quando começou a fazer pesquisa, ele tinha morrido há muito pouco tempo, e estava muita gente viva que o tinha conhecido.
“Não tinha acesso aos arquivos dele, então pensei que era bom falar com quem ficou. Tenho horas de entrevistas com pessoas e tive sorte, porque tive muito poucas recusas. A biografia é uma coisa bastante intrusiva. Tive de lidar com suscetibilidades, vaidades, sobreposições de ego. Essa biografia é muito o resultado dessas mais de 60 entrevistas que fiz”, contou.
Maria Antónia Oliveira não sabia quase nada sobre O’Neill, porque não era um poeta na moda, nem conhecido como é hoje, e era visto como um poeta menor, contou, revelando que na altura falou com alguns dos seus colegas poetas, que manifestaram um certo espanto pela escolha de O’Neill.
Se a escrita da biografia de Alexandre O’Neill a fez apaixonar-se pelo género literário, o mesmo não se aplica ao biografado, confessou.
“Comecei por gosto, pela obra, comecei a pesquisar e apaixonei-me pelo género, não pelo biografado. O género biográfico achei muito apaixonante, a parte da investigação, da narrativa, pegar nas coisas mortas, que são documentos, papéis, certidões, entrevistas e dar vida àquilo”.
Depois, ficou-se pela biografia, tendo voltado ao ensaio – o único género que anteriormente trabalhava – “para escrever um ensaio sobre a biografia”.
A autora falou ainda de quanto há de humanista em fazer a biografia de alguém, porque representa “colocar-se no lugar do outro, tentar entrar dentro de outra pessoa”.
“Isso para mim é das coisas mais contra a corrente de hoje em dia, escrever sobre o outro. Toda a gente hoje escreve sobre si próprio, grita ‘Eu’. Faz falta olhar para o outro”, afirmou.
Sobre o biografado, confessou que a certa altura se maçou com ele e teve “ataques de feminismo”, mas tentou sempre “dizer a verdade”, que “é uma coisa importante e não é o mesmo que objetividade”.
“Posso ter apresentado uns lados dele mais negros. Não é dizer bem, nem mal, é dizer quem ele era”, sublinhou.
Quando acabou de escrever a biografia de Alexandre O’Neill, Maria Antónia Oliveira era “uma pessoa mudada”, reconheceu.
“Sou uma biógrafa diferente, dependendo do biografado, daquilo que ele pede. Notei isso agora, quando tive de aumentar a biografia do O’Neill. Tive de recuperar, encontrar a biógrafa Maria Antónia de há 23 anos, que já não sou, e que agora é a biógrafa do Cesário, porque senão ia perceber-se que [as alterações e acrescentos] eram excertos introduzidos por outra pessoa. Isso foi o mais difícil”.
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