“Este espaço vai ser um centro cultural que engloba várias atividades que estão ligadas ao teatro, artes performativas e formação”, explica à Lusa a atriz, dramaturga e produtora moçambicana, numa visita guiada pelo edifício que vai acolher a iniciativa, no centro da capital moçambicana.
Mais do que uma escola, Manuela Soeiro está a montar, há mais de três anos, um espaço de cultura a partir de “elementos da natureza”, cruzando teatro com arte artesanal, com uma coleção de obras pessoais coletadas durante anos, dando ao espaço uma identidade singular.
“Vamos abrir aqui um museu, que já está praticamente pronto e que será inaugurado no Dia Internacional dos Museus [17 de maio]”, explica a dramaturga, frisando que a ideia é promover um espaço “verdadeiramente de cultura no centro da capital moçambicana”.
Em oposição à tendência de “elitização” das artes cénicas em Moçambique, Manuela quer também levar o teatro à periferia, dentro e fora da capital, valorizando a “riqueza esquecida” na tradição diversificada que compõem as comunidades dos becos e ruelas dos subúrbios das cidades.
“Queremos lembrar às pessoas, sobretudo na periferia, o valor que elas têm ali”, acrescenta a atriz, que quer que esta iniciativa seja replicada por outras províncias moçambicanas.
O cento cultural “Sabura” é mais um contributo de uma dramaturga por muitos considerada o “último pilar” da “escola clássica” do teatro em Moçambique, tendo sido uma das fundadoras do primeiro grupo teatral profissional no país: Mutumbela Gogo, criado em 1986.
No seu percurso de mais de 50 anos, Manuela destaca as influências da atriz portuguesa Maria do Céu Guerra, com quem trabalhou pela primeira vez em 1977 e em quem buscou inspiração para a criação do seu primeiro grupo de teatro profissional.
De professora de Educação Física para uma das mais respeitadas dramaturgas moçambicanas, a atriz lembra que não foram só as influências de Maria do Céu Guerra que a “empurraram” ao fascínio pelas artes cénicas profissionais: o contexto histórico em que cresceu, após a independência de Moçambique (1975), foi fundamental.
“Na altura, quando a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) chegou, nós fomos com toda a energia. Entregámo-nos por inteiro, com tudo. Acreditávamos naquela convicção, na luta e na ideia de uma independência verdadeira. (Os ideais) de Eduardo Mondlane e Samora Machel eram qualquer coisa de surpreendente: Ideais que eram, sobretudo, pela defesa do povo”, refere Manuela Soeiro, lembrando que este foi um dos motivos que a fez abraçar uma arte cujo centro são as pessoas.
“O povo estava em primeiro lugar e nós entrámos de uma forma total. Foi isso que fez com que eu preservasse estes espíritos”, assinala.
Nestas décadas de carreira, pelas mãos de Manuela passaram dezenas de atores e atrizes, seja nos grupos amadores durante a década de 1970, como posteriormente no icónico Teatro Avenida, onde o seu grupo começou a fazer apresentações teatrais.
“Eu coleciono arte e não pessoas”, diz a dramaturga, com um sorriso leve no rosto, quando questionada sobre a quantidade de atores renomados hoje em Moçambique que passaram pelas suas mãos.
O escritor moçambicano Mia Couto descreve-a como a “grande mãe do teatro moçambicano”, uma figura que fez esta arte possível quando o país estava ainda a dar os seus primeiros passos.
“Ela estava num lugar que não era só de quem produzia. Ela impulsionou tudo. Ela convocou todas as forças que podiam estar ali. E era preciso uma mulher, uma pessoa que fosse uma grande batalhadora, porque àquela altura não havia um prego, não havia uma tábua, não havia nada. Montou aquela padaria para alimentar o teatro. É uma coisa quase simbólica”, disse Mia Couto sobre o percurso da dramaturga.
Manuela Soeiro nasceu em 24 de janeiro de 1945, na ilha do Ibo, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.
Hoje, com a escola de teatro, a intenção de Manuela é contribuir, uma vez mais, para o surgimento de novas caras nas artes cénicas em Moçambique, num período por ela descrito como “rico” e cheio de alternativas para as artes performativas, em alusão às novas tecnologias.
“O que eu quero transmitir é aquilo que fez de mim aquilo que eu sou”, conclui a dramaturga.
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