O júri do processo de difamação movido pelo ator Johnny Depp contra a ex-mulher e atriz Amber Heard em Fairfax, nos EUA, chegou a um veredito unânime esta quarta-feira, que foi conhecido a partir das 20h00 em Lisboa, após três dias de deliberações.

Johnny Depp viu o júri dar-lhe razão em todas as acusações: o ator conseguiu provar de forma "clara" e "convincente" às sete pessoas que as declarações de Amber Heard no seu artigo de opinião no Washington Post em 2018, no qual se descreveu como uma "figura pública que representa o abuso doméstico", sem mencionar o nome do ator, eram falsas e escritas com intenção maliciosa. Ou seja, o júri deu como provado que quis difamar o ex-marido e prejudicar a sua carreira.

Em vez dos 50 milhões pedidos por Depp, o júri decidiu que a atriz terá de pagar ao ex-marido 10 milhões de dólares em danos compensatórios e cinco milhões em danos punitivos (valor que a juíza reduziu para 350 mil dólares, o limite para danos punitivos no estado da Virginia).

No caso do processo de difamação de 100 milhões colocado por Amber Heard, o júri deu razão à atriz apenas numa das três acusações: a de que Adam Waldman, advogado de Depp, a difamou com intenção maliciosa quando disse ao tabloide britânico Daily Mail em 2020 que ela tinha preparado uma armadilha ao ator quando a polícia foi chamada ao seu apartamento em maio de 2016. Foi-lhe atribuída uma indemnização de dois milhões de dólares em danos compensatórios e zero dólares em danos punitivos.

Apesar de não se tratar formalmente de um julgamento por violência doméstica e este veredito poder ser apelado para uma instância superior, esta é uma grande vitória para Depp, que perdera um primeiro processo por difamação em Londres, em 2020, contra o tabloide The Sun, que o chamou de "marido violento", quando o juiz decidiu que várias das alegações de violência doméstica descritas no artigo eram "substancialmente verdadeiras".

As reações

Amber Heard

Johnny Depp não esteve presente "por causa de compromissos profissionais agendados antes do julgamento" e acompanhou o veredito do Reino Unido, mas Amber Heard compareceu e abraçou os seus advogados antes de abandonar rapidamente a sala após o fim da sessão, dando conta da sua desilusão nos minutos seguintes nas redes sociais numa extensa declaração escrita.

"Não consigo expressar em palavras a desilusão que sinto hoje. Estou destroçada que a montanha de provas não tenha sido suficiente para enfrentar o poder desproporcional, a influência e o controlo do meu ex-marido", inicia Heard no comunicado.

"Estou ainda mais desapontada com o que este veredito significa para as mulheres. É um retrocesso. Atrasa o relógio até um tempo em que se uma mulher falasse e denunciasse podia ser publicamente envergonhada e humilhada. Volta atrás na ideia de que a violência contra as mulheres deve ser levada a sério", prosseguiu a atriz.

"Acredito que os advogados do Johnny foram bem sucedidos em fazer com que o júri desvalorizasse a questão da liberdade de discurso e em ignorar provas tão conclusivas que nos fizeram ganhar no Reino Unido", continua o comunicado.

"Estou triste por ter perdido este caso mas estou ainda mais triste por ter perdido um direito que achava que tinha como americana - falar livre e abertamente", conclui.

O ator também reagiu ao veredito nas redes sociais.

"Há seis anos, a minha vida, a vida dos meus filhos, as vidas daqueles que me são mais próximos, as vidas das pessoas que por muitos muitos anos me apoiaram e acreditaram em mim, mudaram para sempre. Tudo isto num abrir e fechar de olhos.", começa o ator no comunicado partilhado na sua conta de Instagram.

"Alegações falsas, muito sérias e criminosas foram-me dirigidas através dos media, o que espoletou uma enchente interminável de conteúdo de ódio, embora nunca me tivessem acusado de nada", continua o ator, acrescentando: "as alegações deram a volta ao mundo duas vezes num nanosegundo e tiveram um impacto sísmico na minha vida e na minha carreira".

"E seis anos depois, o júri devolveu-me a vida. Sinto-me verdadeiramente grato", prosseguiu.

"A minha decisão de avançar com este caso, sabendo muito bem a magnitude dos obstáculos jurídicos que eu iria enfrentar e a exposição mundial inevitável à minha vida, foi apenas tomada após reflexões consideráveis", sublinhou.

"Desde o início, o objetivo de avançar com este caso era revelar a verdade, independentemente do resultado. Dizer a verdade era algo que eu devia aos meus filhos e a todos os que se mantiveram irredutíveis ao apoiar-me. Sinto-me em paz por saber que finalmente alcancei isso", refletiu o ator.

"Estou e tenho estado esmagado pela demonstração de amor e o apoio colossal e a bondade um pouco por todo o mundo. Espero que a minha luta por revelar a verdade tenha ajudado outros, homens ou mulheres, que se tenham encontrado na minha situação, e que aqueles que os apoiam nunca desistam. Também espero que o estado volte agora a 'inocente até prova em contrário', dentro do tribunal e nos media", assumiu.

"Quero reconhecer o nobre trabalho da Juíza, dos jurados, dos funcionários do tribunal e dos Xerifes, que sacrificaram o seu próprio tempo para chegar a este ponto, e da minha equipa legal diligente e inabalável, que fez um trabalho extraordinário em ajudar-me a partilhar a verdade", escreveu o ator.

O comunicado termina dizendo que "o melhor está para vir e um novo capítulo finalmente começou", com a citação em latim "veritas numquam perit" e com a frase "a verdade nunca morre".

Um caso muito público

Os sete membros do júri - cinco homens e duas mulheres - começaram a deliberar na última sexta, no fim de seis semanas de depoimentos no tribunal de Fairfax. As discussões foram retomadas na terça-feira, já que na segunda-feira foi feriado nos EUA, e esta quarta-feira alcançou-se uma decisão.

O júri tinha de responder a várias perguntas de um questionário, pronunciar-se sobre ambas as denúncias e determinar o montante dos eventuais danos e prejuízos.

Desde 11 de abril, os jurados ouviram dezenas de horas de depoimentos e gravações de áudio e vídeo, que revelaram detalhes escabrosos da vida do casal entre 2011 e 2016.

Depp e Heard afirmam ter perdido, cada um, entre 40 e 50 milhões de dólares desde a publicação da coluna.

Os dois estiveram amplamente expostos por vários dias durante o julgamento, transmitido pela televisão, que atraiu centenas de fãs, principalmente do ator.

Os jurados ouviram gravações de áudio e vídeos das acaloradas discussões do casal, além de fotos das lesões que Heard afirma ter sofrido durante o casamento.

Especialistas em saúde testemunharam por várias horas sobre um ferimento no dedo, que Depp sofreu durante a rodagem do quinto "Piratas das Caraíbas" na Austrália, em março de 2015.

Depp afirmou que a ponta do seu dedo médio da mão direita foi decepada quando Heard lhe atirou uma garrafa de vodka. Heard disse que não sabia como ocorreu a lesão.

Ambos concordaram que Depp chegou a escrever mensagens nas paredes, nos abajures e espelhos com um dedo ensanguentado.

Heard afirmou que Depp se tornou um "monstro" fisica e sexualmente abusivo quando usava álcool e drogas excessivamente, e que resistiu aos repetidos esforços dela para conter o seu uso.

De acordo com a atriz, Depp prometeu a sua "humilhação mundial" se ela o deixasse. Heard foi alvo de uma extensa campanha das redes sociais sob o lema #JusticeForJohnnyDepp.

Depp declarou que foi "brutal" escutar as "hediondas" e "extravagantes" acusações de abuso doméstico da sua ex-esposa.

"Nenhum ser humano é perfeito, claro que não, nenhum de nós é, mas nunca cometi agressão sexual nem abuso físico na minha vida", disse.

O julgamento foi visto e comentado em todo o mundo e tem feito manchetes nas últimas semanas. Também nas redes sociais o caso se tornou uma obsessão e foi dissecado até à exaustão em vídeos no Tik Tok, com Amber Heard a ser o principal alvo de paródias.

Carreiras "afetadas"

Heard e Depp estiveram casados de 2015 a 2017. Em maio de 2016, a atriz obteve medidas de restrição contra o seu então marido, alegando violência doméstica.

O ator apresentou uma ação por difamação em Londres contra o jornal The Sun por chamá-lo de "espancador de esposas", mas perdeu o caso em novembro de 2020.

Ambos alegam danos nas suas carreiras em Hollywood.

A equipa legal de Heard apresentou um especialista da indústria de entretenimento que estimou que a atriz perdeu contratos e promoções em cinema e televisão no valor de entre 45 e 50 milhões de dólares.

Um especialista do mesmo setor, contratado pelos advogados de Depp, disse que o ator perdeu milhões devido às acusações de abuso, incluindo um pagamento de 22,5 milhões de dólares pelo sexto filme "Piratas".