De acordo com a página da Internet da feira The Armory Show, que decorrerá no Cristal Palace do Javits Center, entre 09 e 11 de setembro, a mostra de oito gravuras da artista portuguesa resulta de uma parceria com a Cristea Roberts Gallery, que representa Paula Rego (1935-2022).

“Para honrar o seu legado, a família [de Paula Rego] vai doar uma parte das vendas destes trabalhos à organização [norte-americana] Abortion on Demand”, que dá apoio a mulheres com mais de 18 anos que procuram interromper a gravidez de forma informada e segura.

A iniciativa acontece numa altura em que os Estados Unidos vivem o impacto legal, social, económico e moral da decisão do Supremo Tribunal, em junho, de revogar uma decisão de 1973, que não torna a ilegal a interrupção da gravidez, mas leva ao regresso da situação anterior àquela data - quando cada Estado decidia autorizar ou não - dando abertura aos mais conservadores de o proibir.

Perante esta decisão, muitos artistas e galerias de arte tomaram iniciativas para apoiar os serviços de apoio às mulheres que enfrentam a interrupção da gravidez, salienta um texto da publicação digital Artnews.

“O trabalho de Paula Rego lida com temas obscuros e complexos”, comentou Sophie Lindo, codiretora da Galeria Cristea Roberts à publicação, sobre estas obras que vão estar expostas para venda.

“Ela queria fazer as pessoas pararem e ficarem desconfortáveis”, acrescentou, ressalvando que embora as obras não mostrem sangue, o tema “nunca é fácil”.

Pela força e intensidade das peças de Paula Rego, Sophie Lindo prevê que os visitantes da exposição “vão ficar presos pelas gravuras”.

“Já falámos sobre a possibilidade de provocar uma reação negativa. [As obras] sugerem conversas desconfortáveis, mas tem de acontecer”, sustentou a galerista, nas declarações à Artnews.

As mulheres que Paula Rego representa nas oito gravuras que vão ser expostas encontram-se num ambiente doméstico, sugerindo que o aborto estava a ser praticado ilegalmente, de forma escondida.

Os corpos e rostos contorcidos pela dor mantêm-se ao mesmo tempo fortes, desafiando todos aqueles que estavam contra o seu direito a terminar com uma gravidez indesejada, e remetem para uma época em Portugal onde a interrupção da gravidez era proibida.

Em “Sem título 7 “(1999), uma mulher com uma expressão rígida, sentada numa cama com as pernas abertas por duas cadeiras dobráveis, cerra os punhos nos lençóis.

Nos seus rostos é visível a angústia física, mental e emocional de mulheres que muitas vezes passavam por esta provação completamente sozinhas, e com risco de vida.

Paula Rego começou a criar obras sobre o aborto na sequência da derrota do referendo sobre a questão, em Portugal, em 1998, que provocou grande desilusão na artista, ela própria tendo admitido abertamente no documentário biográfico “Histórias & Segredos”, realizado pelo filho, Nick Willing, que tinha abortado, numa altura em que “não havia muita contraceção e os homens não se importavam”.

Obras sobre o mesmo tema, de uma série de dez quadros em pastel, foram exibidas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 1999, antes do sucesso do segundo referendo sobre o aborto, em 2007.

Estas peças mais conhecidas da série estiveram já em exibição em todo o mundo, e, mais recentemente, numa grande retrospetiva que percorreu alguns dos principais museus europeus.

A artista sempre se preocupou com a situação das mulheres em Portugal relativamente às restrições do aborto, que, na sua opinião, “afetou desproporcionalmente os pobres”, como declarou ao jornal britânico The Guardian, em 2019.

“Se uma mulher fosse rica era mais fácil encontrar uma maneira segura de fazer um aborto, geralmente viajando para outro país, mas as mulheres pobres foram massacradas”, considerou, na altura.

Nascida em Lisboa, a 26 de janeiro de 1935, numa família de tradição republicana e liberal, Paula Rego começou a desenhar ainda criança, um talento que lhe foi reconhecido pelos professores da St. Julian's School, em Carcavelos, e partiu para a capital britânica com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.

Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, para fazer pesquisa sobre contos infantis, em 1975, e, em Londres, conheceu o futuro marido, o artista inglês Victor Willing (1928-1988), cuja obra Paula Rego exibiu por várias vezes na Casa das Histórias, em Cascais.

Em 2010, foi ordenada Dama Oficial da Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel II e recebeu, em Lisboa, o Prémio Personalidade Portuguesa do Ano atribuído pela Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, entre muitas outras condecorações que arrecadou em vida, como a medalha de mérito cultural, do ministério português da Cultura.

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