“Qual vai ser a minha primeira pergunta?” Quase todas as entrevistas com João Blümel devem começar, justamente, com esta pergunta que se responde a si própria. Também fomos a jogo, para tirar a nossa própria curiosidade, ao mesmo tempo que João Blümel almoçava em plena baixa lisboeta. Na verdade, Blümel responde sempre a essa pergunta na brincadeira: “As coisas não funcionam bem assim (…) tenho um espectáculo em que chamo pessoas ao palco, de forma completamente aleatória, e peço-lhes para pensarem em nomes, palavras, objetos, músicas – por exemplo – e digo-lhes aquilo em que estão a pensar”. Esta é a premissa que o faz pisar palcos e ter esta conversa com o SAPO On The Hop.
SAPO On The Hop: O nome do espetáculo [Imprevisível] está mesmo adequado ao que as pessoas vão encontrar?
João Blümel: É imprevisível e ao mesmo tempo previsível! Ou seja, isto é quase um jogo de palavras. A verdade é que os meus espetáculos demonstram exatamente o quão influenciados e, por isso, previsíveis nós podemos ser. Portanto aquilo que eu faço é prever escolhas e decisões que ainda não foram tomadas. (…) No fundo é imprevisível na medida em que cada pessoa toma as suas decisões, aparentemente de forma livre, sem influência, mas ao mesmo tempo é previsível porque no final percebem que eu consigo desvendar.
«O mentalismo já existe como uma forma de magia há centena de anos, é uma área bastante antiga»
Para chegares até este patamar – e presumo que não possas revelar muito – deves ter aprendido bastantes técnicas. É possível qualquer pessoa ser um mentalista?
Não é bem assim. O mentalismo resulta da fusão de várias áreas diferentes e tem sempre um cunho muito pessoal. O meu espetáculo de mentalismo é diferente do espetáculo de mentalismo de um artista americano, espanhol, etc. Eu já pensei obviamente muito sobre isto porque é a minha área, aquilo que realmente gosto.
«O que é que o Mourinho diz aos seus atletas para os tornar tão motivados?»
Eu sinto que em todas as artes performativas é necessário ter o teu cunho artístico, pessoal e as influências pessoais que vão afetar o próprio espetáculo e como tu te apresentas. Falando no meu caso específico, eu desde muito novo que fazia truques de magia. O mentalismo já existe como uma forma de magia há centena de anos, é uma área bastante antiga, mas antigamente o que acontecia é que o mentalismo era apresentado de uma maneira que eu não considero tão adequada.
Um super poder?
Como se fosse um super poder, mas no fundo era tudo truques. Isso nunca me agradou muito, achava àquela abordagem desadequada. No entanto, aos 15 anos tive contacto com a área da Programação Neurolinguística, uma área que nasce nos EUA nos anos 70 da parte de dois visionários que ousaram perguntar ‘quais é que são os processos linguísticos que ocorrem no cérebro?’. Ou seja, o que é que o Mourinho diz aos seus atletas para os tornar tão motivados? (…) Tentaram estudar padrões de linguagem verbal e não-verbal de pessoas com grande sucesso. (…) A Programação Neurolinguística dá-te modelos de linguagem altamente persuasivos que permitem modular de forma positiva o comportamento humano.
O público que for ver o espetáculo vai ser manipulado sem dó?
Sim, e sabem disso. Isso é o que tem mais piada [risos]. Mas tudo isto é feito de forma descontraída e subtil.
E é isso que se ensaia? Ou seja, a forma de abordar as pessoas, os perfis, os movimentos,…?
Sim, ao longo dos anos eu aprendi, com a prática, a observar melhor as pessoas, a perceber as pessoas através da forma como se vestem, comunicam,… a perceber quais são as áreas de interesse dessa pessoa (…) Tudo isso ajuda. Mas depois também há uma parte de encenação, de ilusionismo. Não esquecer que o mentalismo é uma fusão de todas estas áreas. Eu não sou unicamente um manipulador, sou também um homem do entretenimento que é a minha grande paixão.
«Era tudo muito institivo para mim»
Há também, e esta é talvez aquela parte que faz com que nem toda a gente tenha queda para o mentalismo, da minha parte – já desde criança – há uma intuição natural para “ler as pessoas”. Eu lembro-me de ter para aí 11 ou 12 anos e saber o que é que os meus colegas queriam ser quando fossem grandes ou saber que bandas é que gostavam. Era tudo muito institivo para mim.
Um mentalista, portanto, tem de ser bastante interessado em pessoas, em conhecer histórias?
Sem dúvida. Isso a par do meu grande interessante pelo ilusionismo, o teatro, pelas artes performativas no geral. Consumo imenso concertos, filmes e comediantes, porque tudo isso serve de inspiração. Quando eu estou em palco estou indiretamente a usar todo este background.
Então um ensaio teu podia ser estar ali no Largo do Camões a analisar as pessoas que passam?
[risos] Podia ser, mas não é isso, de todo [risos]. Um ensaio meu é complexo na medida em que existe toda uma encenação. (…) Se tudo correr bem, as pessoas esquecem-se que aquilo estava guionado. Mas efetivamente há um guião, eu tive de o escrever em conjunto com o meu criativo. Também há marcações de cena, os objetos estão numa posição fixa.
«Tenho esta urgência de todos os anos fazer um espetáculo novo»
E a vida de um mentalista é mais normal do que se pensa, ou a tua profissão afeta a tua vida pessoal?
A minha vida é normal. Neste momento esta é a minha profissão, mas o meu dia-a-dia é sempre procurar novas formas de entreter, inspirar-me, testar mais coisas, perceber o que se está a fazer lá fora, a inovação… por isso é que eu tenho esta urgência de todos os anos fazer um espetáculo novo. (…) Este espetáculo, a tendência, espero eu, é que seja melhor do o anterior: tem números que eu considero que temmais impacto. Mas não sei, só quando o testar com o público é que vou saber.
João Blümel atua na sala Montepio do Cinema São Jorge, em Lisboa, a 7 e 21 de abril e a 12 de maio.
Comentários