“Filhos do Vento” é uma adaptação de João Mota, que também encena e dirige o espetáculo, baseado no texto “Noel Sur la Place”, do dramaturgo, romancista e poeta francês Henri Ghéon (1875-1944), estreado em Paris, em 1935.

Uma peça que fala de ciganos, judeus, cristãos e que “acompanha” e "toca" o encenador e fundador d'A Comuna “talvez há quarenta ou mais anos”, desde a sua fase “meio católica” embora “não seja cristão”, frisou João Mota à agência Lusa.

O texto com que A Comuna começa a assinalar o seu 50.º aniversário, que completa a 1 de maio de 2022, fala de uma criança, Jesus, que, aos 12 anos, chega a frequentar o templo. Depois deixa-se de falar dele, até que cumpre 30 anos, voltando-se a ele entre esta idade e os 33 anos.

A peça acaba precisamente com Jesus nessa idade - a idade de Jesus, a idade de Cristo -, sem que jamais se saiba para onde vai. O que, nas palavras de João Mota, “é maravilhoso”, pois “nenhum de nós sabe ainda para onde é que vai”.

“Filhos do Vento” tem o nada, que é o tema do princípio, como pano de fundo, e o vazio. Em tom de brincadeira aborda, porém, assuntos sérios, como a nobreza humana pondo-a em contraste com conflitos sociais e culturais que atravessaram épocas, persistem e continuam a gerar violência e guerra.

Após um período de doença, que em abril último levou João Mota a adiar a estreia de "Freud e a Visita", com que pretendia despedir-se dos palcos pondo fim a uma carreira de 64 anos, o encenador e diretor histórico d'A Comuna ainda hesitou entre pôr em cena esta peça de Henri Ghéon ou uma do famoso autor de 'vaudeville' Georges Feydeau (1862-1921), confessou à Lusa.

Optou, todavia, por “Filhos do Vento” por se tratar de um texto que continua a tocá-lo no que respeita “ao problema cristão, ao problema dos judeus e, num problema fundamental, o dos ciganos”.

“É um fio, é um fiozinho tão pequenino de poesia que está na peça, que foi onde eu quis pegar”, disse, sublinhando que a obra fala de “grupos”, de “comunidades”. E quando se fala em grupos, há uma coisa que é fundamental, “que é a afetividade”, frisou.

Adaptou, por isso, o texto original, introduzindo-lhe uma personagem negra configurando outro “filho do vento”, apesar de os negros “não serem um grupo, mas várias nações”.

O ator Miguel Sermão interpreta-a, dando corpo ao diretor da companhia ambulante, a única personagem que não se desdobra noutras ao longo da ação.

E apesar de afirmar que o objetivo da peça “não é o de levar mensagens para casa” - antes “o prazer de rir, sentir e ficar ali perto de hora e meia com canto cigano e cânticos religiosos”, um dos quais sobre a liturgia do “Magnificat”, numa brincadeira contínua entre os atores -, a peça carrega várias, não é isenta de sentido e faz pensar.

Num cenário pautado pelo vazio, com um único banco onde no início da peça está sentado o velho Melchior (Carlos Paulo) - patriarca da comunidade, que, ao longo da ação, dará corpo a mais seis personagens incluindo o rei mago com o mesmo nome -, a peça acaba por transportar o espectador para o vazio dos dias de hoje.

“Porque a sociedade está muito suja e nós precisamos de nos lavar", disse João Mota à Lusa. "Lavar interiormente, e aí vamos encontrar caminhos novos”, sustentou.

Sem falar de política, nem de Portugal, em particular - porque não é de partidos nem de Portugal que se trata -, "Filhos do vento" é uma peça "de grande modernidade", já que equaciona problemas com que a humanidade continua a confrontar-se nos dias de hoje. “Da Europa, à América e um pouco por todo o mundo”, observou o encenador.

São problemas que se se vão desvendando e identificando ao longo da peça, em falas das várias personagens, como a de um nazi que assume “que matava os judeus todos”, ou da velha matrona, fascista, que diz ter chegado a “Roma para fazer queixa ao Papa”.

“Encontrar o vazio neste momento era importantíssimo para o mundo, claro, e para Portugal era fundamental, porque no nada, no vazio, é que está tudo; só a partir do vazio é possível criar”, concluiu João Mota à Lusa.

A interpretar “Filhos do Vento" - que terá récitas às quartas-feiras, às 19h00, às quintas, sextas-feiras e sábados, às 21h00, e, aos domingos, às 16h00 - vão estar também Ana Lúcia Palminha, Hugo Franco, Miguel Henriques e Teresa Faria (Mité).

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