A história muda, mas o Bolshoi permanece", disse Smirnova à AFP durante um ensaio em Amsterdão, onde ingressou no Ballet Nacional.

Smirnova tem sido notícia pela renúncia ao Bolshoi para expressar a sua oposição à guerra na Ucrânia. "Tive de seguir minha consciência", explica à AFP.

A dançarina de 30 anos diz temer pelo futuro dos coreógrafos e artistas que permanecem no Bolshoi, perante o crescente isolamento global da Rússia.

"Para o Bolshoi, 20 anos não são nada, mas para um dançarino é uma vida inteira", disse Smirnova à AFP em entrevista durante um ensaio do ballet "Frank Bridge Variations", do veterano coreógrafo neerlandês Hans van Manan.

Durante uma década, Smirnova foi um dos rostos da companhia como primeira bailarina, conhecida pelo físico ágil, olhos amendoados e um olhar que um jornal britânico descreveu como "o instrumento perfeito para a sua arte".

"Agora o Bolshoi também está isolado do mundo. Passei 10 anos maravilhosos no Bolshoi", explica. "Senti-me parte do mundo. Mas acho que tudo isso acabou com a guerra", diz Smirnova.

Fundraiser ballet for peace at San Carlo Theatre in Naples

"Honesta comigo mesma"

Mesmo durante a Guerra Fria, as viagens de ballet do Bolshoi para o Ocidente eram vistas como uma ponte para a União Soviética. Mas com a invasão russa no passado 24 de fevereiro, todas as digressões foram canceladas e as estrelas do Bolshoi não são convidadas para o exterior.

Coreógrafos como Jean-Christophe Maillot e Alexei Ratmansky pediram ao Bolshoi que suspendesse os direitos de encenação dos seus bailados.

Smirnova teme que os dançarinos russos percam a oportunidade de "descobrir novos mundos", como ela e sua geração fizeram com coreógrafos como os norte-americanos John Neumeier e William Forsythe, o francês Pierre Lacotte e o britânico Christopher Wheeldon.

No entanto, Smirnova recusa chamar a sua decisão de "deserção", um termo usado nos tempos soviéticos quando ícones do ballet como Rudolf Nureyev e Mikhail Baryshnikov cruzaram a Cortina de Ferro para o Ocidente.

"Acho que fui honesta comigo mesma e apenas segui a minha consciência", disse Smirnova. "Senti-me muito mal com tudo isto, todas aquelas pessoas que perderam as suas casas" na Ucrânia, acrescentou.

Smirnova diz que ficou chocada quando soube da invasão russa, que causou mais de seis milhões de refugiados ucranianos.

Inicialmente, pensou que a invasão seria breve, mas "cinco ou seis dias depois" escreveu na rede Telegram que "sou contra a guerra com toda a minha alma. Nunca pensei que poderia ter vergonha da Rússia".

Depois de deixar Moscvo, viajou para o Dubai para tratar uma lesão e depois demitiu-se. "Ninguém sabia disso, apenas meu marido e o diretor do Ballet Nacional Neerlandês, Ted Brandsen", disse.

"Pensar demais"

A decisão chocou os seus pais na Rússia. "Para eles não é aceitável que eu tenha saído do país e saído do Bolshoi", diz.

"Os meus colegas mal reagiram (...) não sei o que pensaram. Talvez não entendam a minha decisão, talvez estejam a proteger-se da verdade", disse.

"Sinto que perdi quase todas as minhas relações com os dançarinos do Bolshoi", admitiu. Mas considera que foi recebida de braços abertos nos Países Baixos, sentindo-se "cada vez mais em casa em Amsterdão", onde se instalou num apartamento um dia antes da entrevista.

Em abril, apresentou o papel principal no ballet de 1898 de Marius Petipa "Raymonda". "Voltei à rotina de ballet desde o primeiro dia. Senti que estava de volta à minha vida normal (...) [a dança] salvou-me de pensar demais", diz ela.

Smirnova não sonhava, como muitas mulheres russas, em tornar-se uma bailarina. "Ninguém na minha família veio do mundo do teatro ou do ballet", diz.

No entanto, sua mãe engenheira matriculou-a na prestigiada Academia Vaganova e, assim que ela terminou os seus estudos, foi contratada em 2011 pelo Bolshoi, onde cresceu rapidamente.

Ainda tem um sonho. "Adorava ir dançar na Ópera de Paris. Nunca dancei no Palais Garnier", diz.

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