“Fundação Coelho & Oiticica se oferece para cobrir os gastos do Festival do Capão, solicitados via Lei Rouanet (145 mil reais ou 24,1 mil euros). Entrem em contacto (...). Única condição: que seja antifascista e pela democracia”, anunciou Paulo Coelho, na sua conta oficial na rede social Twitter.

Os organizadores do festival solicitaram à Fundação Nacional das Artes (Funarte), órgão tutelado pelo Governo central do país, a autorização necessária para aceder a esse dinheiro, através de mecanismos de financiamento previstos numa lei de mecenato, de incentivo à cultura.

Esses mecanismos permitem que empresas, sejam elas privadas ou estatais, obtenham descontos fiscais nas doações para eventos culturais, mas só podem ser utilizados por meio de autorização oficial. Neste caso, a utilização foi negada pela Funarte.

O caso foi denunciado pela própria organização do Festival de Jazz do Capão nas redes sociais, que publicou partes do parecer do passado dia 8 de julho da Funarte, órgão vinculado ao Governo, que recorreu ainda a “Deus” para justificar o veto ao evento.

A Funarte sustentou o parecer negativo com uma publicação do evento nas redes sociais, feita em junho do ano passado, em que se apresentava como "Festival antifascista e pela democracia". Para a Funarte, a atribuição de financiamento configurava "mau uso do dinheiro público".

"Localizámos uma publicação do dia 1.º de junho de 2020 [do festiva], com uma imagem, contendo um 'slogan' para 'divulgação' (…) a qual complementou os fundamentos para emissão deste parecer técnico", indicou a Funarte.

No parecer a Funarte afirma que, “por inspiração no canto gregoriano, a música pode ser vista como uma arte divina, onde as vozes em união se direcionam a Deus”, e acrescenta que “a arte é tão singular que pode ser associada ao criador”.

Este organismo evoca ainda o compositor barroco alemão Johann Sebastian Bach, mestre de Leipzig, onde morreu, em 1750, que assinava as suas obras com a frase "soli Deo gloria" ("para a glória de Deus"), nomeadamente as suas cantatas sacras, defendendo que "o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma".

A Funarte concluiu assim que o festival resultaria num “desvio de objeto e risco à malversação do recurso público incentivado com propositura de indevido uso do mesmo".

A organização do evento lamentou, nas redes sociais, que o parecer se tenha abstido "de analisar características técnicas e a qualidade artística do festival".

Após a repercussão do caso, o secretário de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciúncula, celebrou a decisão.

"Quer brincar de fazer evento político/ideológico? Então faça com dinheiro privado. A cultura não ficará mais refém de palanque político/partidário, ela será devolvida ao homem comum", escreveu Porciúncula, no Twitter.

"Toda a militância política da esquerda está em choque (…). Estavam acostumados com os antigos governos, onde a cultura era usada como setor de propaganda partidária", acrescentou.

Posição semelhante foi defendida pelo secretário especial de Cultura, Mário Frias, que considerou "inacreditável" que se estejam a discutir "os motivos de não se autorizar verba pública da Cultura para um evento que se propõe a falar sobre política, num combate a um fascismo imaginário".

Fundada em 1975, a Funarte, vinculada à Secretaria Especial de Cultura do Ministério Turismo, é um importante órgão de fomento artístico no Brasil, que tem como missão promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes e das políticas públicas no Brasil.

Contudo, a direção tem estado envolvida em polémica desde que o atual Governo, presidido por Jair Bolsonaro, tomou posse, em janeiro de 2019.

Desde então, a comunidade artística brasileira tem denunciado uma alegada "guerra contra o marxismo cultural", lançada pelo Presidente e apoiantes, que declaram ser contra tudo que não se encaixa nos "valores conservadores cristãos".

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