Em “Distante”, que estará patente na galeria Underdogs, o coletivo quer pôr as pessoas a refletir sobre uma distância que pode ser medida em minutos – os 33 que o comboio demora a fazer a ligação entre a estação de Algueirão-Mem Martins, de onde o coletivo é originário, e a do Rossio, na Baixa de Lisboa -, mas que “representa muito mais do que isso”.

Rodrigo Faria, produtor do coletivo, salientou em declarações à agência Lusa as muitas “divisões, realidades contrastantes e destinos, muitos deles desiguais”, que se encontram nesse percurso.

“Através deste trabalho pretendemos expor dentro de uma galeria, que está na cidade, uma realidade que não é próxima. Uma realidade que não é aquela que pessoa que consome cultura no centro da cidade está habituada a ver e a consumir”, referiu.

O coletivo Unidigrazz junta vários jovens, com idade média de 26 anos, que nasceram, cresceram e vivem na freguesia de Algueirão-Mem Martins, uma das mais populosas de Portugal. A face visível do coletivo são cinco artistas, de várias áreas: Diogo “Gazella” Carvalho, Onun Trigueiros, Rappepa bedju tempu, Sepher AWK e Tristany.

Embora tenham frequentado as mesmas escolas, foi em 2018 que formaram o Unidigrazz, muito por ‘culpa’ do primeiro álbum de Tristany, “Meia Riba Calxa”, editado em 2020, do qual “o coletivo fez toda a direção e produção artística”.

Além das vivências juntos, foram também as “necessidades destes territórios, o facto de não haver um investimento a nível cultural”, que os levaram a unir-se e a “começarem a construir trabalho conjunto”.

Segundo Rodrigo Faria, o coletivo Unidigrazz “expressa artisticamente esta zona [Algueirão-Mem Martins], esta margem que está à volta de Lisboa, nestas cidades periféricas onde as desigualdades prevalecem e muitas vezes continuam invisíveis”.

“O coletivo também pretende mostrar o talento potencial e a qualidade artística que existe e que muitas vezes fica oculta, invisível à cidade e a quem programa culturalmente a cidade e até a periferia”.

Nas obras que desenvolvem não ficcionam, criam apenas inspirados no que está no seu quotidiano.

“Vimos pôr no nosso trabalho, a nossa forma de estar, a nossa forma de ver a arte, a nossa forma de criar, através do distante, porque é isso que ainda sentimos. É uma distância muito presente, principalmente para quem vive na periferia. Uma pessoa que nasce e vive aqui sente esta distância simplesmente ao ir à cidade”, referiu Rodrigo Faria.

Em “Distante”, o coletivo apresenta trabalhos em desenho, pintura e técnica mista, que retratam “questões sociais, culturais, questões que estão muito presentes, como a violência policial ou problemas que existem a nível da mobilidade”.

Ao abordarem estes temas, os elementos de Unidigrazz não estão a “cumprir nenhuma agenda”, mas apenas a “apresentar a realidade que estes artistas e as pessoas nos contextos onde eles vivem sofrem diariamente com essas questões”.

“Distante” tem como peça central uma instalação que representa uma marquise, através da qual o coletivo pretende “mostrar uma representação da vida na periferia, da intimidade, dos laços familiares, e também a ligação com o ambiente doméstico e o espaço público”, e instigar uma reflexão “sobre espaço, sobre sobrevivência, sobre uma realidade”.

“A distância não é só o tempo que demoramos num sítio ou outro, mas também as realidades diferentes que existem entre eles”, reiterou Rodrigo Faria.

A viagem, que pode ser até à estação do Rossio, mas também de Roma-Areeiro, Sete Rios ou Entrecampos, “por vezes parece breve, de comboio, mas vem carregada de significado, revelando profundas divisões entre estas realidades”. “E nós queremos trazer essa discussão, queremos trazer essa reflexão”, reforçou.

O produtor acredita que no caso da música a distância entre a cidade e as periferias tem vindo a encurtar-se, mas nas artes plásticas “ainda há uma distância muito grande”.

Os cinco artistas do Unidigrazz “ainda não vivem” da sua arte, mas o objetivo é que tal venha a acontecer e que, com “consigam também inspirar outros a viver da mesma”.

Além disso, o coletivo quer “influenciar que se criem espaços, pólos culturais para dar palco aos jovens e à cultura que existe” na linha de Sintra.

“Infelizmente temos sempre que estar a ir à cidade mostrar o nosso valor. Infelizmente a cidade tem de validar o valor da periferia, e isso também é a distância que nós vivemos”.

Também na sexta-feira, mas no espaço cápsula da galeria, é inaugurada uma mostra de peças únicas do projeto de intervenção artística ±MaisMenos±, de Miguel Januário.

A mostra foi desenvolvida para acompanhar a edição de um livro dedicado à obra do artista, cuja apresentação está marcada para 28 de outubro, na galeria.

As duas exposições, de entrada livre, estarão patentes na galeria Underdogs até 28 de outubro.