À mesma hora em que os Lodo testam o som no Palco da Eira, onde esta noite atuam, Nuno Oliveira dá voltas e voltas em torno de si próprio com uma caixa de cartão enfiada na cabeça.

Não que não queira ouvir as diferentes sonoridades que ecoam pelos oito palcos da aldeia de Cem Soldos onde, até segunda-feira, decorre o Festival Bons Sons. Mas antes porque, aliado a um natural da aldeia, João Mourão, aceitou o desafio de contribuir para a programação paralela do festival, e transformar a adega daquele, num palco de 'performances'.

Numa criação denominada “O dançar espontâneo em greve cognitiva”, Nuno Oliveira passa os quatro dias de festival a dançar ininterruptamente, seis horas por dia, “isolado percetivamente do público”, mas “visível, e em presença do mesmo”, explica.

Sobretudo porque, na adega em que se apresenta, passam diariamente milhares de festivaleiros que escolhem para petiscar, precisamente, o quintal da mãe de João Mourão, cedido à organização do Festival, para funcionar como tasca de peticos.

Céu Catartaxo e Maria José Ferreira, duas mulheres da terra, lideram a cozinha, mas já perderam a conta às refeições servidas.

“Já foram 74 quilos de moelas, outros tantos de pica-pau, quilos e quilos de pataniscas”, enumeram 'a olho', porque, entre o vai e vem de clientes que por ali passam, das 15:00 às 03:00, “é impossível fazer contas ao que se vendeu”.

Ao final da tarde do segundo dia de festival, era também impossível à organização contabilizar quantos festivaleiros enchiam as ruas da aldeia.

Descida a temperatura, que até cerca das 18:00 rondou os 39 graus, a praça central encheu-se para ouvir os Few Fingers, no Palco Tarde ao Sol.

Entre eles, António Sousa, de 62 anos, que veio de Tavira, “de propósito para conhecer esta terra de que toda a gente que cá vem fala tão bem”.

Com uma imperial numa mão e um prato de caracóis na outra, assume não ter vindo “por nenhum grupo em especial”, mas apenas para “viver o espírito de um festival onde não há velhos nem novos”, apenas “gente que quer conhecer o que se faz de novo na música portuguesa”.

Mas, no que toca a inovação, foi “às 'performances' da adega” a que acabou por se render.

“Já sei que vai haver representações aqui todos os dias e, apesar de ter comprado bilhete só por um dia, resolvi ficar ficar até segunda-feira”, afirmou. Para ver as 'performances' na adega e “um documentário sobre este povo de Cem Soldos, que vai passar no auditório”.

Porque, enfatizou, “o festival é muito bom, mas o melhor é as pessoas que nos acolhem como se fossemos amigos de longa data”. De tal forma que, veio “com a roupa do corpo” e, na segunda-feira, sairá “com uma 't-shirt' emprestada por um amigo" que arranjou em Cem Soldo e que lhe "vai dar guarida até ao fim do festival", como afirmou.

O festival Bons Sons decorre na aldeia de Cem Soldos, Tomar, até segunda-feira, apresentando, em edição comemorativa do 10.º aniversário, 50 concertos com que a organização estima atrair 40 mil pessoas.