“Sinto-me feliz por ter sido um dos vencedores deste prémio que representa muito não só para mim, mas tem muita gente a quem pertence, estou a falar de toda a comunidade da dança que temos trabalhado juntos”, declara Ídio Chichava, em entrevista à Lusa.
No palco do Cine África, no centro da capital moçambicana, o bailarino desafia o calor intenso que se faz sentir em Maputo e, ʽtrancadoʼ naquela que é das mais antigas salas de espetáculos, agora em ruínas, olha para o prémio Salavisa com esperança para alavancar a dança no país, beneficiando sobretudo os que a praticam há anos.
“Este prémio vai trazer de volta as vontades dos outros de trabalhar com artistas e coreógrafos moçambicanos. Acrescenta valor no trabalho que vimos desenvolvendo nesses tempos”, detalha.
Ídio Chichava partilha o prémio com a artista anglo-ruandesa Dorothée Munyaneza, incluindo o valor de 150 mil dólares, entregue em 27 de novembro, em Lisboa, em que o júri destacou o seu trabalho como “uma afirmação poderosa da energia coletiva e do desejo de criar e coexistir”.
Depois de 15 anos em França, o artista regressou a Moçambique onde criou uma companhia de artes performativas Converge+, juntando 25 artistas de todas idades e “corpos”, em que a meta é dar espaço de expressão a todos.
À Lusa, afirma que a grande luta que se abre para dança é concentrar energias internamente, criando oportunidades de atuação e de expressão, num contexto em que quase falta tudo, incluindo espaços para exibição de espetáculos.
“A nossa grande luta não é a nível internacional. A maior parte da carreira dos bailarinos independentes moçambicanos tem sido fora. Acho que o trabalho de fundo é interno, é local. Por isso que a nossa forma de pensar hoje é como desenvolver o local para o global ser ainda mais fácil”, declara o artista, enquanto nas suas costas instrumentos de percussão rufam para dar vida ao ensaio da sua companhia.
“A grande massa de trabalho é localmente, porque a instituição da dança está fraca, as estruturas para a dança estão fracas e apoios e olhares internos estão ainda fracos, então a ideia é como, de certa forma, vamos fazer com que todos esses agentes consigam engrenar e começar a refletir o espaço da dança na sociedade”, acrescenta.
O artista entende que o Salavisa é igualmente um catalisador para fazer os moçambicanos compreenderem que a dança desempenha papel social importante, contribuindo para a estabilidade financeira dos praticantes através de criação de postos de trabalho, mas, sobretudo, “um espaço de opinião de quem a faz”.
Com a sua companhia, criou o projeto/espetáculo “Vagabundus” presente em palcos internacionais desde 2023, estando prevista a sua apresentação pela primeira vez em Portugal, no Porto, no Festival Dias da Dança, em 2025, revelou à Lusa.
Ídio anuncia que o espetáculo que vai a Portugal inclui igualmente uma nova peça, atualmente em ensaios, e que é inspirada num contexto vivido num dos mercados da capital moçambicana, marcado pela diversidade cultural na conjugação do tradicional e contemporâneo.
“A sustentabilidade é a nossa grande luta, até agora estamos a conseguir, não pagamos salários, porque ainda não temos condições, mas a cada trabalho tentamos pagar dignamente aos bailarinos”, diz o artista.
“A Converge+ vem responder ao lugar onde achamos um pouco fraco, que é institucionalizar a dança, ser uma instituição da dança que olha para a comunidade com espírito de advocacia, como proteger essa comunidade toda”, conclui, apontando que o prémio recebido é também em resposta ao trabalho de desenvolver e fazer funcionar uma instituição artística independente.
Criado em 2023, o Salavisa European Dance Award homenageia o legado do bailarino e diretor artístico português Jorge Salavisa (1939-2020), sendo atribuído de dois em dois anos a artistas que ainda não alcançaram grande visibilidade no circuito europeu.
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