Pelo menos cinco artistas portugueses estão entre os mais de 4.700 de quem foram usadas obras sem autorização, incluídos numa lista apresentada como prova num processo judicial de direitos de autor contra serviços de IA, nos Estados Unidos da América.

Contactada pela Lusa, Regina Pessoa partilhou ter noção do uso indevido de obras artísticas por estes serviços, mas só através da lista divulgada esta semana percebeu que também é alvo.

“É um universo tão novo que tenho de me informar sobre como é que se age nesta situação, sobre como é que se deve proceder nestes casos”, referiu.

Jorge Jacinto antes de ver a lista já tinha “quase a certeza” de que estas empresas usavam imagens da sua autoria, “tal como de milhares de outros artistas, para treinar as IA como o Midjourney”.

“Tenho bastantes imagens online há já muitos anos e em vários sites, por isso era de prever que iam ser apanhadas nesta rede. Obviamente nunca dei autorização para tal, nem nunca fui contactado por estas empresas. Elas usam tudo o que encontram ‘online’ para treinar os programas, sejam imagens com direito de autor ou do domínio público, é-lhes indiferente”, disse, em declarações por escrito à Lusa.

O ilustrador sabia que estava a decorrer o processo nos Estados Unidos, mas, visto não estar “muito dentro do assunto”, ainda não ponderou a possibilidade de se juntar aos queixosos.

“Mas espero que o processo vá para a frente e que estas empresas sejam submetidas a algum tipo de controlo externo que não as permita continuar a fazer isto. Devia ser permitido apenas usar apenas imagens do domínio público para treinar os programas. Infelizmente agora já é tarde para isso, as IA já foram treinadas e não vão voltar atrás”, afirmou.

Diogo Machado, cujo nome artístico, Add Fuel, também consta da lista, está, em conjunto com a equipa de ‘web’, ‘motion’ e 3D, a “analisar a questão” de se juntar ao processo judicial que decorre nos Estados Unidos.

“Queremos entender qual a proximidade de estilo que a plataforma Midjourney consegue fazer ao estilo Add Fuel para ponderar qual o passo seguinte. Não ponho de parte apoiar o processo, mas preciso de entender as capacidades da plataforma”, referiu, em declarações à Lusa.

Diogo Machado sublinhou que não se opõe “de todo à utilização de IA como suporte para criação artística”. “Já o fiz como experiência, com a edição AZ424 (POSSIBILITIES) que lançámos em fevereiro de 2023, onde a base para a criação do desenho original tinha como base uma criação na plataforma DALL E. No entanto, se o que se passa na plataforma Midjourney entrar pelo campo da proximidade extrema ou mesmo do plágio aí sim terei algo a dizer e uma ação a tomar”, salientou.

Além de Regina Pessoa, Jorge Jacinto e Add Fuel, na lista surgem também os artistas portugueses Nadir Afonso (1920-2013) e Vhils (Alexandre Farto). Na lista estão também Berriblue, artista polaco-irlandesa radicada em Portugal desde 2015, e André (Saraiva), filho de portugueses, nascido na Suécia e criado em França.

Na passada quarta-feira, a viúva de Nadir Afonso, Laura Afonso, considerou lamentável o uso indevido de obras do pintor por empresas de Inteligência Artificial e disse querer associar-se ao processo judicial em curso nos Estados Unidos.

Laura Afonso, que é presidente da Fundação Nadir Afonso, com sede em Chaves, e detentora dos direitos de autor da obra do pintor, afirmou à agência Lusa que desconhecia o uso do trabalho do artista plástico, que morreu há uma década, por parte de empresas de IA.

“Não tivemos conhecimento, nem nos foi pedida qualquer autorização”, salientou, acrescentando já ter dado indicações à Sociedade Portuguesa de Autores para se associar ao processo judicial interposto por alguns artistas.

No processo judicial, interposto inicialmente pelas ilustradoras Sarah Anderson, Kelly McKernan e Karla Ortiz, as empresas são acusadas de utilizar obras de arte, disponíveis na Internet, mas protegidas por direitos de autor, para treinar as suas ferramentas que usam Inteligência Artificial para produzir imagens.

O processo judicial prolonga-se há cerca de um ano e, no final de novembro, foram apresentadas novas provas, passando a visar quatro empresas (Midjourney, Stability AI, DeviantArt e Runway AI) e o número de artistas queixosos subiu para 10: Sarah Anderson, Kelly McKernan e Karla Ortiz, Gregory Manchess, Adam Ellis, Gerald Brom, Grzegorz Rutkowski, Julia Kaye, H Southworth e Jingna Zhang.

A lista de artistas de quem foram usadas obras sem autorização, incluídas nas provas, abrange mais de 4.700 nomes, entre artistas visuais, realizadores, ilustradores, pintores, escultores, cartoonistas, autores de banda desenhada, ‘writers’ de graffiti, e nela constam figuras como Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat, Quino, Peyo, Jonas Mekas, Wei Wei, Vincent van Gogh, Os Gémeos, Miss Van, Mauricio de Sousa, Max Ernst, Man Ray, Joan Miró, David Lynch, Frida Kahlo, Emily Carr, Debbie Hughes e Bill Watterson.