No seu mais recente livro, Rita da Nova propõe uma reflexão sobre a “definição de família”, entrelaçando as vozes de Glória, Pedro, Helena e Eduardo, quatro vidas marcadas pelo abandono e pela procura de amor.

“A família é um organismo vivo. A família aceita ou rejeita, inclui, mas também exclui. A família é o teu primeiro sítio seguro, mas também é o primeiro sítio onde tu te sentes desconfortável. A família é quase como se fosse um tubo de ensaio para a vida”, contou a autora em entrevista à agência Lusa.

Publicado pela Manuscrito Editora, o romance acompanha Glória, a avó que enfrenta a “tarefa hercúlea” de reconquistar Pedro, “uma criança que desistiu de viver” após ser entregue ainda pequeno por Helena, mãe ausente; e Eduardo, “um padrasto que tem um impacto muito positivo”, cuja história inspirou o romance.

A ideia surgiu de uma conversa casual no Natal de 2023, quando a autora ouviu a história de um homem que, após o fim do casamento, sofreu por deixar de ser padrasto de um menino com quem criara forte ligação.

“Não é muito normal tu colocares o padrasto ou a madrasta nesta posição tão positiva junto das crianças. Esta história é uma boa forma de mostrar que tu podes construir a tua família com as pessoas que a vida te vai pondo e com as pessoas que te vão estendendo a mão nos momentos certos”, contou Rita da Nova, de 33 anos.

Para a autora, por não ter filhos nem enteados, Eduardo foi “a personagem mais complexa de escrever”, o que exigiu mais pesquisa, incluindo entrevistas “com pessoas que tinham todo o tipo de experiências com este tipo de relação”.

“Conversei com pessoas que têm enteados, mas que não conseguem criar relação com eles, com pessoas que têm enteados e que adoram, com pessoas que quando se separaram, deram graças a Deus por nunca mais terem de ver os enteados, ou pessoas que quando se separaram, ficaram tristíssimas porque tinham investido muito naquela relação”, revelou.

Tal como Eduardo, escrever a voz de Pedro também “foi desafiante pela lógica da idade”, uma vez que o leitor acompanha o crescimento da personagem desde a sua infância até “uma adolescência muito tardia, quase início de idade adulta”.

Já a avó, a “espinha dorsal” do livro, é a personagem favorita da escritora, uma vez que considera que “há muito da Glória” dentro de si, e construí-la foi uma lembrança de que é bom continuar “curiosa e aberta ao que a vida tem para dar”.

A romancista considera que Helena surge como voz para muitas mulheres para “quem ter filhos não é uma experiência positiva”, ilustrando que, por vezes, há “coragem no egoísmo”.

“Adorei escrever a Helena, foi quase uma purga. Escrevia os capítulos dela com um pouco de raiva, porque ela tem essa força, é uma pessoa que desarruma tudo com o olhar”, afirmou.

Diferente dos dois primeiros livros, “As Coisas Que Faltam” e “Quando os Rios Se Cruzam”, que partiam sempre de um tema para uma história, nesta obra o processo foi invertido: foi a história que “lhe caiu no colo”, permitindo-lhe integrar os temas desejados.

“Apesar do Sangue” é o primeiro romance da escritora narrado na terceira pessoa, uma decisão que foi “instintiva e depois racionalizada”, já que um narrador “omnipresente e omnisciente” ajudava a acompanhar as quatro personagens numa estrutura não linear que evoca passado, presente e futuro.

Durante o processo de escrita, a autora aprofundou a vida de cada personagem, criando quatro documentos distintos onde escrevia alternadamente, para garantir a devida distinção das vozes.

Rita da Nova revelou à Lusa que o maior desafio emocional durante a escrita foi lembrar-se constantemente que Glória não era a sua avó, apesar de admitir que usou a personagem para preparar-se para situações inevitáveis do envelhecimento.

A autora confessou ainda que, ao contrário das experiências anteriores, chorou ao escrever alguns capítulos, emocionando-se profundamente.

“Acho que durante algum tempo consegui também ser leitora da minha própria história. Isso era uma coisa que não me tinha acontecido com os outros dois livros. Neste houve alguns momentos em que senti que a história se estava a escrever e eu estava a assistir”, sublinhou.

A romancista considerou que “Apesar do Sangue”, publicado a 7 de maio e já na sua 3.ª edição, proporcionou-lhe “um processo de escrita desafiante, mas muito prazeroso do início ao fim”.

“É o livro onde a minha escrita está mais madura, há maior complexidade na narrativa e eu consegui desenvolvê-la da maneira que queria e isso também me orgulha, por isso é o meu favorito. Apesar de ser o último livro que publiquei, para mim, é o irmão mais velho dos outros”, disse.

Questionada pela Lusa sobre a promoção do livro, que decorreu sobretudo nas redes sociais, a escritora reconheceu que o papel do escritor contemporâneo envolve muito a comunicação digital.

“O escritor precisa de saber divulgar os seus livros, porque as editoras lançam dezenas de livros por semana. Eu sinto-me confortável com isso, sei que muitos escritores não se sentem e não deviam, mas, infelizmente, é o mundo em que vivemos”, explicou.

Rita da Nova está em digressão pelo país a apresentar “Apesar do Sangue” e marcará presença na Feira do Livro de Lisboa, nos dias 15 e 21 de junho, para uma conversa com Álvaro Curi sobre “A Nova Literatura Portuguesa” e sessões de autógrafos.

Nascida em Lisboa, licenciou-se em Ciências da Comunicação com objetivo inicial de seguir jornalismo, mas construiu a carreira em marketing e publicidade. A paixão pela literatura levou-a, em 2012, a lançar um blogue sobre livros e viagens que mantém até hoje.

Coapresenta os podcasts “Terapia de Casal”, com o humorista Guilherme Fonseca, e “Livra-te”, com Joana Silva.

Quanto aos futuros projetos, Rita anunciou à Lusa que vai levar "brevemente" o podcast "Terapia de Casal" para apresentações ao vivo pelo país. Na literatura, pretende expandir a publicação das suas obras para além de Portugal e espera lançar o próximo livro, “se tudo correr bem”, em 2026.