A constatação é do investigador Abílio Almeida, da Universidade do Minho, autor do livro 'História do Riso', editado esta semana, na sequência de uma tese de doutoramento em que aborda a “democratização do riso” através dos meios de comunicação de massas. Mas nem sempre foi assim.

“Praticamente todo o período medieval, praticamente todos os escritos da Idade Média associavam o riso às doenças, demónios… e muito mais recentemente também, nos séculos XVIII e XIX, havia relatos que diziam, que as mulheres que rissem morreriam”, afirmou o investigador em entrevista à agência Lusa, lembrando que, ao longo da História, houve pessoas que viveram “com um medo enorme de rirem”.

“O riso feminino, em particular, foi proibido. As mulheres tinham medo de rir”, sublinhou. Durante a investigação que desenvolveu abordou o impacto do riso aos mais variados níveis, para o bem e para o mal.

Mesmo sem compreenderem o humor, as pessoas podem rir só por verem alguém rir e encontrarem benefício nesse riso. Mas o riso pode também ser usado para excluir, pela forma como recai sobre alguém, seja pela cor da pele ou outro fator diferenciador, observou Abílio Almeida.

Em 'A História do Riso' (editora Guerra e Paz), o autor traça um retrato de várias épocas, sociedades e religiões que lidaram com o riso como forma de estar perante os conceitos vigentes, de julgar e mesmo de condenar: “Tentei ver e analisar como é que o riso foi usado durante a História da Humanidade”.

No livro, o investigador faz referência a vários autores e obras desde a antiguidade clássica, como a “A Republica”, de Platão, considerada uma das mais significativas do pensamento filosófico e político daquele período. “Não é admissível que se representem homens dignos de consideração sob a ação do riso; e muito pior ainda, se se tratar de deuses”, escreveu o filósofo no ano 381 a.C.

Na mesma página, o investigador apresenta o pensamento da igreja católica, através de um trecho de uma homilia de João Crisóstomo (datada de 403 a 404 d.C.), no qual o líder religioso questiona o riso alheio e diz que Cristo não agiria assim e “frequentemente aparecia triste”.

Depois da investigação, Abílio Almeida chegou à conclusão de que rir “nem sempre é o melhor remédio”, já que há o riso que inclui e o riso que exclui. Neste último caso, defendeu, “nunca é o melhor remédio” e é mesmo preferível “fazer um esforço consciente para não rir”.

“Uma das grandes coisas que aprendi é que o riso também pode ter um poder muito negativo, de exclusão, de expulsar de forma cruel as pessoas de um grupo. Por isso, da minha perspetiva, diria que o riso nem sempre é o melhor remédio”, justificou.

Para Abílio Almeida, o riso é um “fenómeno excecional” que pode definir uma personalidade. “Define muito aquilo que somos e aquilo que queremos fazer sentir”, considerou.

Na opinião do autor, o riso pode ser uma arma. “Tanto pode ser uma faca usada para preparar os alimentos de que todos usufruem, como pode ser usada de forma cruel para maltratar outra pessoa”, exemplificou.

“História do Riso” promete várias analogias sobre o poder do riso, dependendo “de quem o usa e como o usa”, nas palavras do investigador.

Durante a tese, centrou-se no “riso televisivo” enquanto gratificação emocional. Especialista em Ciências da Comunicação, Abílio Almeida destacou, nesta área, o papel da televisão, ao proporcionar “essa gratificação” ou “um riso fácil”, com impacto positivo nas audiências de determinados programas.

“O riso presente nos cinemas, nos meios de comunicação de massas, teve um papel preponderante em democratizar o próprio ato de rir”, constatou o investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho, indicando que muitas pessoas, principalmente as mulheres, “começaram a ver outras mulheres a rir”, no cinema, nos teatros, longe dos padrões da Idade Média, em que o riso merecia castigo.

“Os frades que rissem eram castigados, penso que uma ou duas semanas”, ilustrou, defendendo que o riso é “único”, uma das características mais marcantes e distintivas do ser humano, apesar de estudos recentes apontarem que alguns animais “aparentam rir”.

De acordo com o investigador, discussões antropomórficas à parte, o riso é “um reflexo social interessantíssimo”, que dá ao ser humano a capacidade de rir apenas com um olhar.