Publicado pela primeira vez no Natal de 1978 pelas Edições O Jornal, este foi o primeiro livro totalmente do seu autor, que era há anos um ilustrador e cartoonista de referência.

“Livro‑testemunho da excelência a vários níveis de João Abel Manta”, esta obra representou, ao mesmo tempo, o regresso do desenhador desde o fim do Processo Revolucionário em Curso, mas também “uma afirmação artística, uma prova de resistência política e um testamento pessoal e geracional”, afirma a editora.

Acima de tudo, este livro foi um “acerto de contas definitivo com a memória de Salazar e do seu regime. Foi e continua a ser tudo isso — agora reeditado tal como existiu na sua ambiciosa primeira edição, porque é essencial que o trabalho de João Abel Manta continue vivo também nas livrarias”, acrescentou.

A edição da Tinta-da-China, que chegará às livrarias no dia 21 de abril, inclui um posfácio inédito de Pedro Piedade Marques, editor, designer gráfico e estudioso de Abel Manta.

Neste livro desfilam “dezenas de patéticas, sinistras, grotescas figuras que representam os Anos de Salazar, mas também séries de figuras míticas ou históricas que o Estado Novo envolveu no seu manto de propaganda (Camões, Santo António, Nossa Senhora de Fátima), momentos definidores do regime no seu início, como a Guerra Civil de Espanha, ou, em particular, uma sequência de três séries (Detenção, Interrogatório e Segredo) em que Manta, o antigo preso político, investiu as suas próprias memórias de Caxias em 1948”, lê-se no posfácio.

“Tal como [Francisco] Goya e [George] Grosz, Manta revelou aqui uma rara capacidade de análise de um tempo e de uma geografia cultural e, sobretudo, de a transformar num objeto de pura expressão pessoal, investindo toda a sua mestria técnica”, acrescenta Pedro Piedade Marques.

João Abel Manta nasceu em Lisboa, em 1928, filho único de dois pintores (Abel Manta e Clementina Carneiro de Moura).

Estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa, em 1945, onde comprometeu desde logo o seu desenho às suas convicções políticas de oposicionista à ditadura do Estado Novo e a Salazar: enfileirando no MUD Juvenil, oferece um desenho alusivo ao Natal de 1947, cuja reprodução e venda revertia para o apoio a membros do Movimento de Unidade Democrática (MUD) entretanto presos.

O ativismo político valeu-lhe a prisão em fevereiro de 1948, com duas semanas passadas em Caxias, e uma ficha nos arquivos da PIDE, a polícia política da ditadura.

Formou-se brilhantemente como arquiteto nas Belas-Artes e teve uma importante atividade no domínio da arquitetura a partir do início da década de 1950, que abandonaria progressivamente em favor das artes plásticas, destacando-se como o maior cartoonista português e um dos melhores ilustradores portugueses das décadas de 1960 e 1970.

Nos anos anteriores e posteriores ao 25 de Abril de 1974, publicou regularmente, em jornais de grande tiragem (tais como Diário de Lisboa, Diário de Notícias, O Jornal ou Jornal de Letras, tendo sido o primeiro diretor de arte deste último).

Desenvolveu também trabalhos relacionados (criticamente) com a situação político-social portuguesa e tem dois álbuns editados: “Cartoons, 1969-1975” (1975) e “Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar”.

"Dinossauro Excelentíssimo", obra satírica de José Cardoso Pires sobre a vida de Salazar e a ditadura do Estado Novo, que chegou à Assembleia Nacional do antigo regime, numa polémica que opôs deputados do partido único e da chamada Ala Liberal, surgiu, desde a primeira edição, em 1972, indissociável da capa e das quase duas dezenas de ilustrações de João Abel Manta, com a sua crítica ao "imperador que veio realmente do nada" e à situação então vivida no "Reino do Mexilhão".