Pode uma super-heroína na indígena surda e sem uma perna revigorar a saga Marvel da Disney, poucas semanas após o seu presidente executivo parecer criticar os seus artistas por darem prioridade às mensagens progressistas em vez das histórias?

Com cinco episódios, a minissérie “Echo”, que será lançada no Disney+ na terça-feira (madrugada de quarta em Portugal), conta a história de Maya Lopez, uma dura ex-vilã que regressa de uma vida de criminalidade em Nova Iorque para redescobrir as raízes indígenas na sua cidade natal em Oklahoma.

A décima série do Universo Cinematográfico (MCU, pela sigla original) é um 'spin-off' baseado na personagem da série “Hawkeye - Gavião Arqueiro” (2021) e a primeira a integrar a "Marvel Spotlight", uma nova marca do estúdio inspirada pelo título de uma revista antológica que existiu entre 1971 e 1981.

Com uma apresentação diferente do tradicional logotipo do Marvel Studios, juntará produções focadas em histórias e personagens mais "terra a terra" e sinalizará aos espectadores que não é preciso conhecer previamente a narrativa mais ampla do MCU ou das próprias bandas desenhadas.

Grande parte do diálogo ocorre através da linguagem de sinais, com legendas, e os cineastas trabalharam de forma intensiva com os líderes da nação Choctaw para criar cenas autênticas, incluindo o 'flashback' de um festival desportivo no Alabama, antes do contacto com os europeus.

“Estou tão orgulhosa por poder representar uma plataforma que eleva as vozes dos povos indígenas... estamos a fazer da forma certa”, disse numa conferência de imprensa recente a estrela Alaqua Cox, que é surda, indígena e amputada.

Mas a série chega num momento delicado para a Disney, cujos filmes de super-heróis da Marvel estão a passar recentemente por dificuldades nas bilheteiras após mais de uma década de domínio global.

No ano passado, pela primeira vez desde 2016, a Disney não foi o estúdio com mais receitas de Hollywood, sendo superado pela Universal.

Simultaneamente, a empresa encontrou-se no centro das guerras culturais dos EUA, atacada por comentadores de direita e políticos republicanos por se tornar "demasiado 'woke'" [progressista] com as suas histórias.

Ron DeSantis, governador da Flórida e um dos candidatos do Partido Republicano à presidência dos EUA, centrou-se nas queixas sobre a crescente prevalência de personagens gay e não binárias nos filmes da Disney, de “Lightyear” a “Elemental”.

Numa conferência em novembro, o CEO da Disney, Bob Iger, disse que as pessoas responsáveis pelas histórias da empresa ficaram excessivamente preocupadas com a introdução de "mensagens positivas" e "perderam de vista qual deveria ser o seu objetivo número um".

“O que realmente tentei fazer foi voltar às nossas raízes, que é lembrar que primeiro temos que entreter. Não se trata de mensagens”, disse Iger.

Com o seu elenco diversificado, “Echo” representa a culminação de uma tendência para a Disney.

Os filmes de super-heróis da Marvel foram lançados em 2008 com “Homem de Ferro”, protagonizado por Robert Downey Jr.

Foi preciso esperar até ao 18.º do MCU, "BlackPanther", para que a personagem principal não fosse um homem branco.

Desde então, houve uma infinidade de protagonistas diversos, mesmo com a queda nas receitas das bilheteiras.

Mas Bethany Lacina, professora assistente da Universidade de Rochester, que estudou a demografia dos públicos, disse que não há provas que sugiram que as tendências estejam ligadas.

As decisões sobre os elencos da Disney “estão a aproximar os seus filmes do que o seu público sempre foi”, especialmente à medida que os jovens americanos se tornam mais diversificados, explicou.

“Os não-brancos têm mais tendência para ver os filmes da Marvel do que os brancos. Principalmente os negros e os hispânicos brancos”, notou.

Lacina sugeriu que os comentários de Iger podem refletir a "frustração" de que o simples facto de lançar protagonistas não tradicionais não ter trazido automaticamente vastas audiências minoritárias inexploradas, como se esperava.

Ainda assim, não há provas de uma "reação" por parte dos espectadores brancos, que correram para ver filmes como "Black Panther", nomeado e vencedor de vários Óscares - um filme que Iger elogiou na sua palestra de novembro por "promover a aceitação".

Em vez disso, muitos analistas sugerem que a Disney simplesmente produziu demasiado conteúdo, incluindo uma dúzia de séries Marvel para a sua plataforma de streaming, levando ao que foi chamado de “fadiga dos super-heróis”, bem como ao que está a ser visto como um declínio na qualidade.

A mudança da Marvel em direção a super-heróis mais diversos decorre tanto da estratégia comercial quanto da história das próprias bandas desenhadas originais, de acordo com Nick Carnes, editor do "The Politics of the Marvel Cinematic Universe".

“Se olhamos para super-heróis do passado, as personagens mais antigas que têm gerações de nostalgia, são desproporcionalmente brancas e masculinas”, diz o também professor da Universidade Duke.

Todo o projeto Marvel da Disney é “conquistar as pessoas que gostam de uma história sobre o Homem de Ferro ou o Homem-Aranha e depois expô-las a personagens diferentes”, disse ele.

De acordo com Carnes, os comentários de Iger podem simplesmente refletir “uma época em que ser um líder que se envolve com política é muito difícil e desafiante”.

O sucesso ou fracasso de “Echo” ainda dependerá da história, disse ele.

“E, no fim de contas, somos todos seres humanos”, disse Chaske Spencer, um dos atores da série, de origem Lakota Sioux.

"Tem a ver com emoção, e todos podemos identificar-nos com isso", resumiu.