“Viva la vida” (1954) foi a celebração escrita no último quadro numa das suculentas melancias, a sua fruta preferida, a poucos dias de partir, ansiando por paz. "Espero alegre a partida – e espero nunca mais voltar”. Nasceu e morreu em julho, numa casa com nome de cor – Casa Azul. Deixou-nos também um lindo diário. Quase tudo o que nos disse, de forma livre e aberta, foi dito com tinta. A pintura passou a completar a sua vida. “Quem diria que as cores vivem e ajudam a viver?”

Frida nasceu fusão e liberdade. Filha de mãe com ascendência espanhola e indígena e pai alemão, fotógrafo e pintor amador, esta herança cultural ajudou a moldar a sua identidade. Foi ainda filha da revolução mexicana. Nasceu curiosa, de temperamento independente e desafiador e com fome de vida. Não suportava estar fechada.

Aos 6 anos sofreu poliomielite, começando a sua desintegração, que marcou tanto uma perna – mais pequena e fina, futuramente amputada – , como a sua mente, por após meses de solidão ter de ultrapassar a cruel troça e isolamento dos colegas. Aprendeu muito cedo a fantasiar num mundo só seu. Estudou medicina enquanto desafiava todas as normas, defendia os desprotegidos, juntando-se com fascínio aos mais inteligentes do que ela, sem ambicionar fama ou glória.

Um grave acidente aos 18 anos quase a matou, partindo-lhe a coluna e muitos ossos, deixando-a para sempre prisioneira do seu próprio corpo: “Agora habito num mundo de dor, transparente como gelo e que nada esconde”. Na cama começou a pintar, lutando com a saúde que lhe restava “para fazer algo útil”. As suas pinturas impressionavam pela forte força expressiva e energia incomuns.

A sua vida pessoal foi tão tumultuosa quanto a sua saúde e as suas paixões tão intensas quanto as suas dores. Viveu extremadamente tudo quanto lhe foi permitido, nos seus opostos e nos seus intermeios. Celebrou a vida e tentou várias vezes antecipar a morte.

De aparência frágil, a sua mente libertava-se para compensar o que o corpo não permitia. “Na minha vida eu só pintei a expressão honesta de mim mesma”, para dizer o que não podia ser dito de outra forma e que, em alguns dos seus quadros bem pequenos, as suas verdades soam como bombas.

Casou-se duas vezes com o famoso muralista Diego Rivera e como Sr. ª Rivera acompanhou-o aos Estados Unidos. Lá ficou muito só, com “inflamação no corpo, com dores, fraca e cansada”. Era ainda muito tímida em relação à sua pintura, mas a viagem foi muito significativa, embora traumática.

Regressaram. A relação tumultuosa foi marcada por infidelidades de ambos, mas a traição com a sua irmã foi um duro golpe. Abandonou Diego. Tinha de se libertar e ganhar independência financeira. Passou a pintar para ganhar dinheiro, mas só pintou o que quis. Expôs em Nova Iorque e Paris e foi professora.

Os seus últimos anos foram brutalmente dolorosos, com Frida cada vez mais dependente de morfina e álcool. Apesar de tudo, amava a parte doce e alegre da vida: “Rir dá muita força”. Em abril 1953 chegou de ambulância à sua última exposição. Satisfeita com a homenagem, pouco falou, talvez por sentir que se despedia.

Frida, uma das personalidades mais fascinantes do século XX, deixou-nos um poderoso legado artístico e pessoal – a sua vida e obra são indissociáveis, a pintura era uma extensão da sua vida. Frida não foi só uma artista. Frida transcendeu. Viva la vida.