Quem esperava encontrar ontem, no LX Factory, a simpática menina Amélie, agarrada à sua “valise” de cartão, pronta a seguir para França com uma lágrima no canto do olho, a sorte não lhe bateu à porta. Foi mais parecido com ver a teenager Patrícia, de cabelos desalinhados e exibindo uma T-Shirt de Kurt Cobain, pintando os olhos de preto antes de sair para uma noite de má vida com o triângulo “sexo, drogas e rock” à espreita para fazer das suas.

Conhecido como compositor multi-instrumentista e autor de bandas-sonoras primaveris para filmes como “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” ou “Goodbye Lenin!”, Yann Tiersen é também autor de discos com uma grande diversidade musical. Ontem, no concerto de apresentação a “Dust Lane” (2010) – que marca a estreia do francês na editora Mute –, Tiersen apresentou em palco a sua veia mais rocker, certamente deixando na perplexidade muito boa gente.

Tal como em disco, o concerto ofereceu uma variedade de apontamentos e géneros musicais: solos de piano aparentados a estudos de conservatório de índole mais independente, temas com coros que pareciam provir dos céus, sonoridades com selo indie-rock, paisagens pintadas a óleo por sintetizadores e máquinas infernais.

Nesta caixa sonora há espaço para guardar muita coisa: escapelas sonoras ao estilo dos Mogwai, orquestrações com pinturas faciais floydianas, temas que os Animal Collective escreveriam se estivessem apaixonados, solos de violino que nos recordam a imagem de Jim Carrey a ser fustigado por uma trovoada e a gritar “is that all you`ve got?”, delírios violinescos que nos trazem à memória westerns habitados por salloons perigosos e duelos ao pôr-do-sol, fragmentos que ficariam bem no majestoso “Revolver” dos Beatles ou uma canção que os Tool poderiam ter escrito e convidado as meninas dos Camera Obscura para ajudar na cantoria.

No encore, além de uma música que teria servido na perfeição aos Pulp e à voz docemente cavernosa de Jarvis Cocker, Tiersen ameaçou com um solo de violino e já havia quem gritasse por “Amélie”. Puro engano. A doçura inicial transformou-se num tema assombrado pelo punk e com uma boa dose de espírito metal, como que a querer dizer que a Amélie já não faz parte deste imenso filme.

Teria resultado melhor num espaço como a Aula Magna ou o Coliseu dos Recreios, mas não deixou de ser um belo sonho barulhento.

Pedro Miguel Silva