Tom Odell nunca encheu estádios, nem soma milhões de seguidores nas redes sociais, mas é um dos cantores que marca a nova geração da música no Reino Unido. Aos 31 anos, o cantor e compositor já conta com uma mão cheia de sucessos que são cantados a uma só voz um pouco por todo o mundo - o maior exemplo disso é o tema "Another Love", o seu primeiro single e que regressou novamente aos tops dos serviços de streaming.

Antes do regresso a Portugal, o artista esteve à conversa com o SAPO Mag. Ao final de uma manhã de sábado, ainda no quarto do hotel, Tom Odell fez uma pausa na sua rotina para uma conversa sem duração marcada. "Tenho de me arranjar? Estou bem assim, aqui?", pergunta enquanto se organiza e bebe um "café americano".

O foco da entrevista era o concerto nos Coliseus dos Recreios, mas as primeiras memórias relacionadas com a música marcaram o início da conversa. "A minha primeira memória sobre música é relacionada com a minha avó. Ela tinha um piano, sentava-se a tocar e eu sentava-me de costas para o piano e sentia a música a passar pelo meu corpo. Ela tinha unhas compridas e ouviam-se as unhas dela a baterem nas teclas do piano. E lembro-me - porque era um piano bem grande - de me sentir completamente hipnotizado pelo piano. E sempre que lá íamos, na maioria dos fins de semana, gostava de tocar. Isso mesmo antes dos meus pés conseguirem chegar aos pedais", recorda o músico.

"Acho que sempre sonhei com a música"

"Acho que sempre sonhei com a música. Sonhava com se fosse, de alguma forma, algo inatingível. Foi a partir dos 12 ou 13 anos, quando comecei a escrever canções. Mas não levei a música muito a sério até aos 16 anos, mais ou menos", conta Tom Odell, revelando que um professor mudou a sua vida: "Conheci um professor na minha escola e ele também tinha dado aulas ao Chris Martin, dos Coldplay. Não conhecia nenhum músico e, de repente, tive um professor que tinha dado aulas ao Chris Martin durante cinco anos".

Tom Odell

E foi com ex-professor do vocalista dos Coldplay que o britânico começou a arriscar testar o seu talento. "Ele era incrível e dizia, tipo: 'podes fazer isto, tens realmente talento para escrever canções e tens de trabalhar'. Ele fez-me olhar para a minha 'cena pessoal' e disse-me 'podes melhorar'. Foi duro comigo. Mas... diria que sem ele, talvez, não tivesse feito nada", confessa.

Mas a vontade de escrever canções começou bem antes de começar a olhar para a música de forma "séria", "aos 10 ou 11 anos... ou talvez nove". "Era muito pequeno. Comecei a ter aulas aos seis ou sete anos e cheguei a um certo ponto em que comecei a perceber que os meus dedos podiam mover-se de uma certa forma. E comecei a ficar interessado na melodia, em compor. Parecia-me natural, uma progressão natural - primeiro aprender canções de outras pessoas e depois inventar as minhas próprias canções. Aborreci-me de aprender músicas de outras pessoas. O que mais me entusiasmava era fazer a minha música", explica o cantor em conversa com o SAPO Mag.

"Na primeira parte da minha carreira... bem, não lhe chamaria carreira. Quando tinha 15, 16 anos e até aos 20, tocava as minhas canções para os amigos ou para as ex-namoradas. Também tocava para os meus pais também e a minha família. Era obcecado e empenhava uma quantidade bizarra de tempo. Tinha muito interesse e era ligeiramente perturbado. Por isso, era uma forma de gastar a minha energia e isso, certamente, também me manteve afastado de problemas", conta Tom Odell.

As duas vidas de "Another Love"

Depois de muitas atuações para amigos e família e de muitas canções escritas em blocos de notas, em 2012, aos 22 anos, o músico britânico apresentou-se ao mundo com seu primeiro EP e de onde saiu o seu primeiro grande êxito, "Another Love". Um ano depois, em 2013, o cantor foi galardoado nos BRITs Critics' Choice Award e o primeiro álbum, "Long Way Down", chegou meses depois.

Quase 10 anos depois do lançamento de "Another Love", a canção ganhou uma nova vida graças ao TikTok e ao Instagram. "Tem sido uma loucura. Não encontro as palavras certas para descrever como é que esta canção tem chegado às pessoas. Está sempre a crescer e a crescer", celebra Tom Odell, frisando que é gratificante saber que a canção "significa muito para as pessoas". "A autenticidade da letra e aquilo sobre o qual escrevi é real. É uma verdadeira emoção e estou muito feliz porque as pessoas se têm ligado à cação", acrescenta.

créditos: Raquel Cordeiro

"É como um testemunho de tentar ser sempre tão real e verdadeiro quanto possível, tanto contigo próprio como com o mundo. Nem sempre consigo fazer isso. E, ocasionalmente, como artistas, temos momentos em que apenas conseguimos dar 'uma pincelada' e dizer algo de forma clara", sublinha. "Não quero parecer um artista cliché, estou a falar a sério: esta canção já não parece minha. Parece uma canção de toda a gente", confessa.

Como nascem as canções

Tal como aconteceu com "Another Love", Tom Odell tenta sempre escrever canções "verdadeiras". Mas como nascem as canções? "O meu processo criativo é sempre diferente, na verdade. Às vezes surge a melodia primeiro e outra vezes é a letra. Acho que muitas das vezes, a melodia e a letra chegam ao mesmo tempo. Ou alguma frase da letra. Depois tento compreender o sentimento da canção, da letra, e depois dou muitos retoques. Volto à letra muitas vezes, faço muitas revisões até sentir que diz exatamente aquilo que quero", resume o britânico em conversa com o SAPO Mag.

"Para escrever canções - acho que acontece o mesmo com os jornalistas e com os escritores - há sempre pouco espaço, é uma pequena quantidade de espaço para se dizer o que se quer. É tudo uma questão de economia e de escolha das palavras certas. Tens de escolher com muito cuidado e há muita pressão sobre as palavras. Escolhes expressar o mais articuladamente possível o que queres dizer quando a melodia chega. Se não vier com uma letra, é normalmente bastante problemático, na verdade. Então, é melhor escrever uma letra", aconselha.

TOM ODELL

"Para ser honesto contigo... Há uma canção no meu próximo álbum, que sai a 28 de outubro, que é a 'The Best Day of My Life'. Inicialmente essa canção chamava-se 'Worst Day of My Life'. Quando escrevi a melodia pela primeira vez, foi sobre uma experiência muito diferente e pensava que era o pior dia da minha vida, não queria acreditar. E era esse o sentimento. Depois reescrevi a letra para 'The Best Day of My Life'", revela ao SAPO Mag.

Alterar letras de acordo com a melodia e vice-versa faz parte do processo criativo de Tom Odell. "Por exemplo, tenho canções mais antigas, como "Grow Old With Me", do meu primeiro álbum, que escrevi na escola, quando tinha 16 ou 17 anos. A letra era sobre vampiros e merdas. Era um refrão completamente diferente e depois reescrevi a letra porque não achava que não estava bem. Por isso, sim, não sou tão puritano. É apenas diferente. É preciso manter o coração aberto e ver o que acontece", conta.

Os concertos em Portugal

O cantor e compositor britânico Tom Odell atua em Portugal em outubro, encerrando a sua digressão mundial no dia 11, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Os bilhetes para o concertos encontram-se à venda nos locais habituais. "O concerto vai ser numa sala muito bonita, não é? Estou ansioso. Estou muito orgulhoso dos concertos que estamos a fazer na digressão pela Europa. Têm sido alguns dos melhores concertos da minha vida", confessa.

"Há uma ligação muito profunda com o público, talvez devido ao tempo que estamos a viver, não sei. Mas sinto que as pessoas ficam emocionadas com as experiências e que sentem intensamente", explica o artista. "Sinto-me privilegiado por poder cantar em palco e estou feliz por voltar. Adoro Lisboa. Estive aí de férias no ano passado. Sou obcecado e é a minha cidade favorita na Europa. Adoro", confessa.

tom odell

"Another Love", "Best Day of My Life", "Hold Me", "Can't Pretend" e "Smiling All the Way Back Home" são alguns dos temas que o britânico vai apresentar em Lisboa.

Na conversa, Tom Odell sublinha ainda que se sente um privilegiado por poder fazer música. Sem música, confessa, seria "como uma vida sem água": "Seria muito complicado viver sem música, especialmente nestes tempos turbulentos, com tantos conflitos (...) Basta olhar para o telefone e, em poucos segundos, podemos ver o sofrimento e tristeza".

"Acho que a música tem um papel ainda mais importante e potente na vida das pessoas porque transcende tudo. A linguagem transcende as fronteiras, a cor da nossa pele, a cor do nosso cabelo... transcende tudo, transcende todas as coisas que nos dividem. Agarramo-nos cada vez mais a elas porque precisamos delas e precisamos de coisas como a música e as artes para nos mostrar que não somos diferentes", sublinha Tom Odell.  "Somos todos iguais na sua origem. É um privilégio poder fazer isso como um trabalho e estar em palco todas as noites", acrescenta.

"Tocamos em lugares diferentes em todo o mundo. Como, por exemplo, este ano, já fizemos uma digressão na América. Fizemos uma digressão pela Europa, pelo Reino Unido e pela América do Sul. Tudo em poucos meses. E o público não muda tanto como gostamos de dizer. Somos todos iguais. Não importa. Em todos os locais, somos todos iguais. E é uma coisa maravilhosa poder ver isso", sublinha o britânico.

"Somos constantemente instruídos e lembrados de que somos todos diferentes. Mas não sei... obviamente que somos diferentes, todos somos diferentes. Mas também partilhamos este terreno comum, que é o terreno do amor, de querer estar uns com os outros, querer estar numa multidão, querer estar juntos, querer ser tocado pela emoção e de querer ser amado e acarinhado (...) E a música realça tudo isso", remata.