A noite não começou da melhor forma quando, ao chegarmos à Aula Magna - sala que iria encher de ‘alma’ mais uma noite lisboeta -, nos deparámos com o cancelamento da primeira parte do concerto de Sharon Jones & The Dap-Kings, a cargo do italiano Luca Sapio & The Dark Shadows. Uma hora de espera que deixou ainda mais ansiosa uma plateia que se foi preenchendo aos poucos, terminando, por fim, bem composta e recheada de rostos ecléticos.
Às 22h00, como fora anunciado, entram discretamente em palco os oito músicos que dão pelo nome: The Dap-Kings. O mestre-de-cerimónias, Binky Griptite (guitarrista da banda), tem como missão o tradicional warm up, convidando-nos de imediato a abandonar as cadeiras e a dar início, assim, à dance party em que se iria tornar este concerto. Todos de pé e ainda em aquecimento, damos as boas-vindas à próxima aposta da editora Daptone – o dueto Saun & Starr, também conhecidas por The Dapettes –, as vozes de apoio do grupo. A atmosfera é contagiante, respira-se soul e funk por todo o lado, estalam-se os dedos e batem-se palmas, o pé… O que é certo é que, a partir daí, poucos voltariam a sentar-se nas suas cadeiras.
Depois de conhecidas e aprovadas, as Saun & Starr dão lugar à convidada mais esperada da noite – Miss Sharon Jones! Aos 58 anos, do alto do seu metro e meio e perante uma calorosa receção, a artista entra em palco radiante e glamorosa, luzindo um brilho muito próprio, muito além do seu vestido, que viria a inflamar-se mais e mais, no decorrer do concerto. E que grande é esta voz, que enche a sala assim que começa a cantar “Retreat!” – tema também de abertura do seu último álbum, “Give The People What They Want”.
“If You Call” é a canção que se segue e nos remete para os seus trabalhos mais antigos (“I Learned the Hard Way”, 2010), mas é com o soul de “He Said I Can” que, num momento agradavelmente inesperado, sobe ao palco o primeiro português dos vários que viriam a dançar com a cantora nessa noite. Um impulso impossível de conter, resultado da energia contagiante que Sharon Jones emana com cada vez mais intensidade, no avançar do espetáculo.
Continuamos com “People Don’t Get What They Deserve”, para depois darmos lugar a uma verdadeira aula de dança! Como em tempos também o fez o rei James Brown, Sharon Jones leva-nos até ao ano de 1965 e, com toda a mestria e groove necessário, ensina-nos os míticos passos que outrora marcaram esta década do funk. Olhamos ao redor e, de repente, temos toda uma Aula Magna a dançar o boogaloo, the jerk, o twist e até mesmo o Funky Chicken. É disto que esta mulher é capaz.
Mas a dança não fica por aqui. Depois de acalmarmos com os temas “Slow Down, Love” e “Long Time, Wrong Time”, são chamadas ao palco seis ‘lady dancers’ do público feminino, que se multiplicam, acabando por ficar cerca de vinte a dividir a pista de dança com a mesma garra de Miss Jones, mostrando, ao som de “Keep On Looking”, que, afinal, Portugal também tem mulheres com soul.
Passamos para o momento doce da noite com a balada “Every Beat Of My Heart”, original de Gladys Knight. E regressamos ao seu último trabalho com o tema “You’ll Be Lonely”, no qual outro dançarino português sobe ao palco num ímpeto de ser o seu par. Não há dúvidas, todos temos vontade de dançar nesta casa!
“She Ain’t a Child No More” abre caminho para outro tema forte da noite - “Get Up and Get Out” –, uma canção também incluída no seu último trabalho mas da qual a cantora avisa ir fazer uma versão diferente. Invocando no palco o nome de Tina Turner e brincando com a sua famosa interpretação de “Proud Mary”, Sharon fala-nos do cancro que superou recentemente, descoberto durante a conceção deste disco, que lhe dá motivos para cantar com uma energia diferente esta canção. Mais acelerada do que a versão original, termina ao estilo gospel, num louvar eletrizante em que nos descreve pormenorizadamente as provas difíceis por que passou, culminando num simples “I’m Alive!”.
Cada vez mais perto do final, ouvimos “Making Up and Breaking Up” e “100 Days, 100 Nights”, momento em que a cantora nos apresenta a sua banda e agradece ao seu público – as suas fontes de força e inspiração. A despedida prolonga-se com o encore, “Stranger To My Happiness”, e com o mesmo carinho com que nos brindou ao longo de todo o concerto, o último desta digressão. De pé continuamos a aplaudir incessantemente quem nesta noite chuvosa nos alegrou numa performance irrepreensível. Certamente há muitas formas de celebrar a vida, a música é uma delas.
Alinhamento:
01. Retreat!
02. If You Call
03. He Said I Can
04. People Don’t Get What They Deserve
05. Slow Down, Love
06. Long Time, Wrong Time
07. Keep On Looking
08. Every Beat Of My Heart
09. You’ll Be Lonely
10. She Ain’t a Child No More
11. Get Up and Get Out
12. Making Up and Breaking Up
13. 100 Days, 100 Nights
Encore:
14. Stranger To My Happiness
Texto: Lucélia Fernandes
Groove your Soul
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