![Miley Cyrus na MEO Arena: A menina que tenta encontrar o seu lugar no mundo adulto](/assets/img/blank.png)
Regressemos a 2010. Nesse ano, em que decorria a quarta edição do Rock in Rio Lisboa, Miley Cyrus, aka Hannah Montana, era a principal atração do dia do evento dedicado aos mais novos. Na altura, Cyrus já demonstrava uma vontade de não ser a eterna menina da Disney, envergando roupas não apropriadas para alguém que era seguida por milhões de crianças e adolescentes. Quatro anos volvidos, Cyrus cresceu, largou o título de Hannah Montana e tenta apagar de vez a imagem de menina inocente. Na noite da passada segunda-feira, em que atuou na Meo Arena, não foram muitos aqueles que estiveram presentes para acompanhar a nova e ousada fase de Cyrus.
O espetáculo acaba por ser uma miscelânea de coisas, uma mistura algo confusa, não se percebendo bem qual é o verdadeiro rumo da cantora norte-americana. A verdade é que, por momentos, parece que estamos no circo, com algumas pitadas de momentos psicadélicos e sexuais.O público, claramente entre a faixa etária 12-18 anos, não se fez rogado e ajudou a preencher o vazio daquela sala, num espetáculo que viria a ter dois temas gravados para um DVD ao vivo, que ainda há-de chegar ao mercado.
O concerto em si, considerado fresco e ousado por muitos, acaba por ser pouco inovador. Existe reinvenção, surpresa e polémica, mas tudo é delineado ao pormenor, sem grande lugar para a espontaneidade. Cyrus, em excelente forma física, pode muito bem vir a ser a próxima Madonna.
A canção “SMS (Bangerz)”, que conta com a participação de Britney Spears, foi a música de abertura do concerto, interpretada já depois de Cyrus ter entrado em palco, através de um escorrega em forma de língua, que saía de uma imagem da sua cara em ecrã gigante. Seguiram-se “4X4”, “FU” e “Do Ma Thang”. E, até aqui, já notávamos duas coisas: o cansaço na voz de Cyrus (que não tem uma voz por aí além) e o exagero de adereços e elementos em palco. Era proibido olhar para qualquer outro lado, sob o risco de perdermos o que acontecia em palco. E a verdade é que é neste palco que tudo acontece: bailarinos vestidos de bonecos de peluche ou de isqueiros de tamanho gigante; um cão enorme com raios laser a saírem-lhe dos olhos; gatos no espaço; um cachorro quente gigante montado pela própria… Uma panóplia de coisas, que só vem comprovar que Cyrus quer fazer um pouco de tudo.
O espetáculo, que teve grande foco no álbum "Bangerz", mostrou ainda, como previsto, a faceta mais sexual de Miley, com a cantora a surgir, em “Love, Money, Party”, em cima de um carro dourado, enquanto simulava posições sexuais.A sexualidade foi, de resto, um dos pontos fortes do espetáculo – palmadas em rabos, o famoso twerking, etc.
Em tentativas sucessivas de mostrar que é umabadass, Miley não se coíbe, também, de mostrar o dedo do meio e de meter a língua para fora, naquela que já é a sua imagem de marca. Demasiado para um público tão jovem? Talvez, mas, a julgar pelas reações, este pareceu não se importar. Pelo contrário.
A gravação dos dois temas - “#GETITRIGHT” e “On my Own" - para o DVD ao vivo veio, no entanto, quebrar algum do ritmo do espetáculo, com as pausas necessárias a mostrarem-se demasiado prolongadas.
Cyrus, que trocou de roupa várias vezes, lá ia agradecendo ao seu público por ter estado presente naquela noite, que considerou "muito especial". Depois, lá para o meio do espetáculo, a cantora fez duas coisas: primeiro, derramou água pelo seu peito, tendo depois cuspido da sua boca a água para os fãs; posteriormente, convidou todos a declararem o seu amor em “Adore You”, em que uma espécie de Kisscam filmava jovens casais – curiosamente, vários do mesmo sexo - a beijarem-se, sem preconceitos.
Chegava-se, então, a uma parte do concerto que viria a ser morosa… e confusa. Miley e a sua banda sobem para uma plataforma improvisada no meio da plateia, onde interpretam uma série de covers, sem qualquer razão aparente.Ouviu-se “Lucy in the Sky with Diamonds” (original dos Beatles, que Miley gravou com os Flamings Lips para o álbum "With A Little Help From My Fwends"); “You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go”, de Bob Dylan; “Jolene”, da madrinha Dolly Parton; “Summertime Sadness”, de Lana Del Rey; “Hey Ya”, dos Outkast; “There Is a Light That Never Goes Out”, dos The Smiths (“esta deve ser a banda preferida de toda a gente”, exclamou Cyrus, sem esperar a pálida reação dos seus fãs); e “The Scientist”, dos Coldplay. Infelizmente, as covers ficaram a dever (e muito) às versões originais.
Já perto do final, e no primeiro encore, escutámos as músicas que mais berraria causaram: “We Can’t Stop” e “Wrecking Ball” (a ser entoada antes mesmo de começar). Regressada ao palco, Cyrus, em versão cowgirl, interpretaria a última canção da setlist, “Party in the USA” (fora da esfera "Bangerz"), que “trouxe” a palco Abraham Lincoln, a Estátua da Liberdade e as faces do Monte Rushmore.
No final de contas, fica um sabor amargo na boca, com a extravagância e a face polémica a tirarem algum brilho ao espetáculo. Os mais novos acham piada, mas a gente crescida fica com a sensação de que está perante um espetáculo demasiado pensado, que não permite improvisos.
Cyrus acaba por não saber bem o que fazer da sua vida, mas tenta, a todo o custo, encontrar o caminho para o sucesso. Nota para a afluência da Meo Arena: a organização indica 12 mil pessoas, um número que, perante o cenário encontrado pelo vosso escriba, é demasiado ambicioso; cá fora, um colaborador indicava-nos que tinha registado cerca de quatro mil entradas. Seja qual for o número, o certo é que foi um concerto que ficou aquém das expetativas.
Alexandre Lopes
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