
Primeira constatação: não houve propriamente novidades no concerto que os Pet Shop Boys trouxeram ao Palco MEO do Parque da Bela Vista. A digressão do qual faz parte, "Dreamworld: The Greatest Hits Live", já tinha passado por Portugal há dois anos, no festival Primavera Sound, no Porto, e tanto o alinhamento como as opções cénicas foram muito semelhantes.
Segunda constatação: essa familiaridade em nada pareceu beliscar o acolhimento do que se mantém um completíssimo espetáculo pop, que pode não ter tudo o que um fã da dupla britânica pediria (nem nunca poderia ter, em quase 40 anos de discos) e que não foi tão efervescente como a atuação no Super Bock Super Rock, no Meco, em 2010, mas que oferece uma bela revisitação da obra de Neil Tennant e Chris Lowe.
Foi bonito ver essa obra, referência absoluta da música feita com sintetizadores (e quanta desconfiança gerou em alguns círculos nos anos 1980), ser abraçada por tantas gerações no grande acontecimento do arranque do MEO Kalorama de 2025. E não eram só os espectadores que aparentavam ter crescido acompanhados pelas canções do duo, desde a sua formação, que claramente sabiam várias letras de cor. "They called us the pop kids/ 'Cause we loved the pop hits/ And quoted the best bits", entoou Tennant em "The Pop Kids" (tema que não fez parte do alinhamento do concerto do Porto) num recinto no qual se contavam vários jovens rendidos à sua pop.
O convívio de diferentes faixas etárias também resultou bem na música: "Dreamland", single relativamente fresco neste percurso (foi editado em 2020), com direito a final vertiginoso, fluiu naturalmente para o clássico "Heart" em dois dos episódios ritmicamente mais vibrantes da noite. Para o efeito enérgico deste regresso também contribuíram os três músicos com quem a dupla partilhou o palco, com resultados especialmente palpáveis nos coros e percussões. Não que o papel de anfitrião de Tennant tenha sido colocado em causa: afável e tão reconhecível como sempre num registo entre o falado e o cantado, o vocalista nem precisou de fazer grandes declarações além dos habituais cumprimentos e agradecimentos para a sua postura dinamizadora ser evidente.

Antes da festa de cerca de hora e meia e duas dezenas de canções, a entrada em palco foi solene, com a bandeira da Ucrânia ao fundo, até porque esta pop nunca foi alheia a tensões políticas e sociais desde os primeiros dias. A melancolia pairou em "Rent", "I Don't Know What You Want but I Can't Give It Any More" ou "You Were Always on My Mind", esta última uma sempre memorável versão de um tema celebrizado por Elvis Presley e mais conseguida do que a releitura de "Where the Streets Have No Name", dos U2, também ouvida no Parque da Bela Vista. "West End Girls", já no encore, apostou numa cenografia apropriadamente mais turva e bas-fond, a contrastar com as explosões de cor indissociáveis da maioria dos outros momentos (sem que o impressionante aparato visual tenha eclipsado a música).
Elementos cénicos centrais do espetáculo, dois candeeiros de rua marcaram o encontro vocal de Tennant e da teclista Clare Uchima em "What Have I Done to Deserve This?", single originalmente interpretado por Dusty Springfield, como o vocalista lembrou. E voltaram a pontuar o final, também esteticamente elaborado, com "Being Boring", outro exemplo de comunhão generalizada que começou apenas com a dupla original em palco e terminou já com a companhia dos restantes músicos. Mais galvanizante, só "It's a Sin", trunfo dos trunfos jogado numa reta final abrilhantada por "It's Alright" e "Vocal", testemunhos de amor à música house, assinalou o anfitrião. Um amor partilhado, diríamos: neste pedaço de noite, todos se sentiram em casa.

"Oh My God", Sevdaliza...
Recebida de forma tão efusiva como os Pet Shop Boys, Sevdaliza concentrou atenções ao início da noite no Palco San Miguel. E apresentou um concerto com seguramente mais surpresas. Tantas, aliás, que não pareceu sobrar muito da artista de "ISON" (2017) e "Shabrang" (2020), discos nos quais a iraniana radicada nos Países Baixos verteu influências da música árabe, do trip-hop e do R&B mais soturno numa pop de vistas largas alicerçada no ativismo.
"Human", em modo contemplativo, e "Oh My God", servida com frenesim reforçado face à versão gravada, foram breves ecos dessa fase num concerto que apostou quase tudo na próxima: a do terceiro álbum, "Heroina", a editar este verão. Se no ano passado, o single "Alibi" já tinha sugerido uma viragem sonora assinalável ao contar com a brasileira Pablo Vittar e a francesa Yseult, os que se seguiram, como "No Me Cansare" (com KAROL G) ou a faixa-título, reforçaram o interesse por ritmos sul-americanos. Infelizmente, ouvir essas canções em palco só veio confirmar que Sevdaliza se contenta com o reggaeton ou o baile funk mais genérico quando já propôs fusões mais sofisticadas - e palavras também, com as letras a ressentirem-se da mudança.
Os dois músicos em palco (na bateria e teclados) fizeram o que puderam, como fez uma bailarina imparável e a própria Sevdaliza, que não poupou em danças e coreografias. Mas nem o som sem mácula nem vários portentos visuais disfarçaram a ausência de marcas distintivas deste novo rumo. Um arranjo inspirado por "Firestarter", clássico dos Prodigy, ainda injetou algum valor acrescentado ao remate de "Alibi", embora não tenha servido de muito quando a reta final do concerto trocou sonoridades latinas por trance descartável. A pontaria comercial, no entanto, está melhor do que nunca - não por acaso, a praia de Anitta já esteve mais longe...
A festa aerodinâmica dos L'Impératrice
A fechar a noite no Palco San Miguel, os L'Impératrice mostraram porque é que estão a tornar-se habitués em palcos nacionais. Depois de terem atuado no festival Paredes de Coura e no Lisboa ao Vivo no ano passado, os franceses defenderam as cores de "Pulsar", o seu álbum mais recente, no MEO Kalorama através de uma eficientíssima febre de quinta à noite.
A entrada do sexteto parisiense em palco, com círculos luminosos nas t-shirts, abriu portas para uma hora de música cintilante e acelerada, aglutinadora de disco, electro, house, easy listening, chanson ou lounge. E até com algum big beat perto do fim, segundo o livro de estilo dos Chemical Brothers, ainda que a influência mais notória deste festim bem calibrado sejam os Daft Punk - de resto, homenageados numa revisitação da guitarrada de "Aerodynamic", um dos muitos momentos amplamente ovacionados. Entre acessos instrumentais, sempre certeiros nos crescendos, e canções guiadas pela voz sussurrante de Louve, a nova vocalista (que substituiu Flore Benguigui, afastada depois de incompatibilidades internas), conquistaram certamente novos fãs. Sim, vamos continuar a ouvir falar deles...
No primeiro dia do quarto MEO Kalorama atuaram ainda os Flaming Lips, Father John Misty, 2manyDJS, Olof Dreijer, Cara de Espelho, David Bruno ou Capital da Bulgária. Esta sexta-feira, 20 de junho, o Parque da Bela Vista acolhe os Scissor Sisters, FKA Twigs, Róisín Murphy, Azealia Banks, Boy Harsher, Model/Actriz, Heartworms ou Kelly Lee Owens.
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