Dona de um aparato que pode muito bem contrastar com a casualidade com que os Magnetic Fields se apresentam em palco, mas indubitavelmente concordante com a elegância contida nas canções, a Sala Suggia, na Casa da Música, mais o “papel de parede com apontamentos de madeira 'adragonados'”, alvo dos constantes gracejos de Claudia Gonson, serviu de palco à primeira data do regresso dos Magnetic Fields a Portugal.

Com muita pena, contaram-se demasiadas cadeiras vazias entre a plateia. Um registo de afluência felizmente compensado, na noite seguinte, pela enchente no Teatro Maria de Matos, em Lisboa.

“Nós somos os Magnetic Fields, para o caso de se terem enganado na sala...”, informou Stephin Merrit, nos moldes de um sentido de humor algo peculiar que lhe é reconhecido para além dos temas que compõe, antes de dar azo à parada de infortúnios liderada por I Die. Claudia Gonson sentada ao piano, Shirley Simms ao serviço do ukulele, John Woo e Sam Davol na guitarra e no violoncelo, respetivamente, e Stephin Merrit a comando da melódica e do harmónio cedo puseram cobro às promessas sintetizadas de “Love At The Bottom Of The Sea”, lançado este ano e marcado, precisamente, por um retorno ao combo entre a acústica e um pop mais electrónico.

Antes de se prosseguir viagem, o público foi chamado a sentar-se mais à frente. De Reno, Dakota, na voz de Claudia, apanhou-se um avião rumo a uma América fácil ao sarcasmo de Merrit, num percurso que foi desde San Francisco, “uma cidade muito horrível”, até ao Grand Canyon, essa “armadilha para turistas que não passa de um fosso gigante”.

Durante pouco mais de hora e meia de voo, numa sala de primeira classe que muito pareceu “intrigar” Claudia Gonson – “aquele órgão ali em cima é real ou é ilusão de óptica?” - não faltou tempo nem oportunidade, dada extensão do cancioneiro da banda, para agradar a gregos e a troianos na contemplação das composições sobre os mais variados assuntos e adequadas a todas as ocasiões, ainda que tão contraditórias: se, a pretexto da infidelidade e da vingança, pudemos ouvir My Husband's Pied-à-Terre, It's Only Time foi-nos apresentada como uma canção ao som da qual se poderia casar.

“69 Love Songs” (1999), o aclamado triplo álbum e inegável marco da história dos Magnetic Fields, tomou conta de grande parte do alinhamento, deixando, no entanto, margem para alguns retrocessos até à primeira metade da década de 90, pelas mãos de Fear of Trains, da animada Swinging London e de Smoke And Mirrors, “uma canção muito triste”. Comentário muitas vezes repetido acidamente por Merrit e a desencadear óbvias gargalhadas no público.

A mesma boa disposição evidenciou-se em The Horrible Party, com o kazoo a não conseguir disfarçar o tom gozão do tema. De “Love At The Bottom Of The Sea” ouviu-se ainda, de uma assentada, Andrew in Drag, referida como banda sonora ao mais recente vídeo da banda e Quick!, a que couberá missão semelhante, num vídeo a ser lançado brevemente. Ao conjunto de 14 canções mais antigas, recentemente compiladas num disco convenientemente intitulado “Obscurities”, foram-se buscar Plant White Roses e Forever And A Day, que rematou o encore.

The Book Of Love e All These Litlle Words, provavelmente os dois temas mais aguardados da noite, abrilhantaram o serão, pautado pela dicotomia entre a acidez das canções e o bom humor nas conversas em cima do palco, acompanhadas por canecas de chá e referências ao Rick Astley, lideradas, sempre, pelo génio e pelo sentido de oportunidade de Sthephin Merrit.

O alinhamento do concerto:

I Die
A Chicken With Its Head Cut Off
Your Girlfriend's Face
Reno Dakota
Come Back From San Francisco
No One Will Ever Love You
I've Run Away To Join The Fairies
Plant White Roses
Drive On, Driver
My Husband's Pied-à-Terre
Time Enough For Rocking When We're Old
The Horrible Party
Smoke And Mirrors
Goin' Back To The Country
Andrew In Drag
Quick!
Busby Berkeley Dreams
Boa Constrictor
The Book Of Love
Fear Of Trains
You Must Be Out Of Your Mind
Grand Canyon
Swinging London
It's Only Time
Smile: No One Cares How You Feel

All My Little Words
Forever And A Day

Ariana Ferreira