“Na Cova da Moura tínhamos um propósito. Como tínhamos muitos problemas de agressão policial - além da situação social, falta de emprego, abandono escolar, uso de drogas –, era uma forma de reivindicarmos estes problemas”, disse Lord Strike, em entrevista à agência Lusa.
Dos primórdios do rap em Portugal, que explodiu no início dos anos 1990 do século XX, os jovens que moravam na Cova da Moura, que era notícia pelos piores motivos, acumulavam revolta e encontraram no hip-hop uma forma de divulgar os seus pensamentos.
“Ninguém imagina a quantidade de música que circulava em cassetes e MP3´s e que nunca foram gravadas”, contou Ermelindo Quaresma (Lord Strike), indicando que nesses tempos de grande criatividade os primeiros palcos foram os bairros, mas que depressa extravasou para todo o lado.
A violência policial, a falta de emprego, as dificuldades na escola, mas sobretudo o racismo, eram temas recorrentes nos beats destes músicos, embora poucos conseguissem gravar e ainda menos vender os discos.
Mas o rap conseguiu outro feito: “Conseguiu que as pessoas, os jovens do bairro tivessem orgulho de dizer bem alto Cova da Moura, de pronunciar esse nome. Porque, quando querias ir arranjar um trabalho, se dizias que eras da Cova da Moura, não arranjavas trabalho”.
“Qualquer coisa que acontecia em algum lado, a Cova da Moura era sempre culpada. Aconteciam os arrastões em Carcavelos e os jornalistas iam à Cova da Moura perguntar se sabíamos alguma coisa”, acrescentou.
No hip-hop, os jovens “postavam” os seus pensamentos, como atualmente fazem na internet, o que leva Lord Strike a acreditar que o rap foi uma espécie de embrião das redes sociais.
“Sentimos que [o rap] era uma ferramenta muito útil para nós, para o que queríamos falar, as nossas reivindicações da altura, e até agora, contra as injustiças do mundo”, afirmou, acrescentando que “as pessoas que desdenhavam o hip-hop não percebiam isso”.
Ia a meio a década de 90 (século XX) quando Lord Strike assume a produção dos Menace to Society, o primeiro grupo de rap da Cova da Moura. Strike foi ainda um dos fundadores do Kova M festival, o qual coordenou durante vários anos. O primeiro álbum a solo ("Negritude") só chegará em 2012.
Na sua essência, disse o rapper, o hip-hop permaneceu como um veículo de reivindicação.
“Hoje em dia não se ouvem discursos políticos que falem realmente sobre o povo, o sofrimento do povo. O que ouvimos dos políticos é que vão dar um subsídio disto ou daquilo; não falam sobre os que mais sofrem, que têm de passar a vida a trabalhar, das mulheres com dois ou três empregos”, lamentou.
E prosseguiu: “Há duas formas de reivindicarmos. Ou saímos à rua e fazemos greve, ou então usamos a música como um veículo de diálogo entre as pessoas, entre os jovens”.
E deu o exemplo dos rappers Azagaia (Moçambique) e de Nagrelha (Angola), cuja música move milhões de pessoas em África e não só. “Além de serem rappers muito bons no que faziam, eram consistentes”, disse.
Questionado sobre os problemas que hoje têm mais lugar nas letras do hip-hop português, Lord Strike disse que “é mesmo a questão da sobrevivência, da vida, da precariedade em que vivemos. A questão já nem é a falta de emprego, mas sim o emprego mal pago, a falta de habitação”.
“Não é à toa que o rap se torna um fenómeno internacional”, afirmou, concluindo: “É uma música que nasceu para isso, para ser utilizada contra as injustiças”.
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