Lady Gaga foi a primeira atuação musical da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, que arrancou às 19h30 locais (mais uma hora do que em Lisboa): entrou às 19h48, após o desfile das primeiras delegações dos países.
“Bonsoir et bienvenue à Paris” (Boa noite e bem vindos a Paris], disse ela, revelando a sua identidade que fora escondida por grandes penas rosa e pretas enquanto descia uma escadaria nas margens do rio Sena, antes de interpretar uma nova versão em francês da canção “Mon truc en plumes”, da icónica artista francesa Zizi Jeanmaire (1924-2020).
Os comentadores disseram que a cantora norte-americana aprendeu a língua e passou dois meses a ensaiar o seu número.
No segredo mais mal guardado, a cerimónia terminou com a atuação da canadiana Céline Dion no primeiro andar da Torre Eiffel, perto das 23h30.
Na primeira atuação desde 8 de março de 2020 e ano e meio após anunciar a retirada dos espetáculos ao vivo por sofrer da síndrome da pessoa rígida (RPS), uma doença neurológica sem cura conhecida que causa espasmos musculares, a cantora interpretou o famoso e comovente tema de Édith Piaf "Hymne à l'amour" [Hino ao Amor].
No mês passado, Dion prometera que lutaria pelo regresso artístico: num momento comovente em que a própria se comoveu, mostrou ainda ter a voz de sempre, com uma entoação perfeita e acertando as notas com facilidade, numa serenata que os cativados espectadores em Paris escutaram em reverente silêncio.
Duas horas mais tarde, a cantora escreveu nas redes sociais: "Estou honrada por ter atuado esta noite, na cerimônia de abertura de Paris 2024, e muito feliz por estar de volta a uma das minhas cidades favoritas! Acima de tudo, estou muito feliz por celebrar estes atletas incríveis, com todas as suas histórias de sacrifício e determinação, dor e perseverança. Todos têm estado tão focados no vosso sonho e, levando ou não uma medalha para casa, espero que estar aqui signifique que se tornou realidade! Todos deveriam estar muito orgulhosos, sabemos o quanto trabalharam para serem os melhores dos melhores. Mantenham o foco, sigam em frente o meu coração está com vocês!"
Vale a pena recordar, como fizeram as redes sociais dos Jogos Olímpicos, que esta foi a sua segunda participação, após os Jogos de Atlanta em 1996.
Pela primeira vez em 128 anos, a cerimónia saiu dos estádios... e teve muita chuva
Preparado pelo diretor artístico é Thomas Jolly, habituado a grandes produções e fã da música pop, o espetáculo da cerimónia de abeertura, que durou cerca de quatro horas, foi planeado ao minuto ao largo do rio Sena, ao longo de seis quilómetros, uma estreia na história dos Jogos, que normalmente são inaugurados num estádio.
Houve um fator que Jolly não conseguia planear: o tempo. A cerimónia de abertura teve a infelicidade de decorrer enquanto fortes chuvas de verão caíam sobre Paris, mesmo com as previsões a indicarem dias de sol quente pela frente.
Enquanto as delegações nacionais desfilavam em barcos pelo Sena, tentou-se tirar o melhor partido da situação, provavelmente esperando que o temporal não tenha impacto na saúde de todos os envolvidos.
O famoso pianista clássico francês Alexandre Kantorow ficou encharcado ao apresentar-se numa ponte de Paris sem qualquer cobertura, enquanto os utilizadores das redes sociais expressaram preocupação com o seu piano igualmente desprotegido.
Ironicamente, a peça que ele tocou foi "Jeux d'eau" ("Jogo Aquático"), de Maurice Ravel.
Ninguém pode acusar a cerimónia de abertura de ter sido rígida na escolha das músicas, com os espectadores a entusiasmarem-se com todos os estilos, do clássico à ópera, do pop ao tecno.
Após Lady Gaga, a segunda grande atuação ao vivo foi dos Gojira, uma das melhores bandas de heavy metal da França, uma estreia absoluta do género numa cerimónia.
Antes de Dion, talvez tenha sido o maior aplauso, com os membros a interpretar "Ah, ça ira", um famoso tema dos revolucionários franceses, em plataformas elevadas na Conciergerie, precisamente o edifício icónico da Revolução Francesa.
Mais tarde, foi a vez da franco-maliana Aya Nakamura, menos conhecida no exterior, mas com grande simbolismo no país: quando, há alguns meses, começaram a circular rumores de que poderia participar, alguns grupos da extrema direita riram dela e do seu nível de francês, colocando em causa que personificava a herança, os valores e a identidade francesa. Foi apoiada publicamente pelo presidente Emmanuel Macron.
Na Pont des Arts (Ponte das Artes), a artista apresentou um trecho do seu sucesso "Pookie" e arranjos de "For me, Formidable" (Charles Aznavour), "Djadja" (o seu maior 'hit' internacional) e "La Bohème" com o Coro do Exército Francês.
Outro momento de destaque, já com Paris mergulhada na noite, às 22h09, foi a interpretação do hino à paz "Imagine", de John Lennon e Yoko Ono, em pleno Sena, pela cantora Juliette Armanet, com Sofian Pamart ao piano em chamas.
A seguir, um cavaleiro a galope atravessou a Ponte D’Iéna até ao Trocadéro, onde o Coro da Rádio França e a Orquestra Nacional francesa executaram o Hino Olímpico enquanto era hasteada a Bandeira Olímpica.
A cerimónia começara com um vídeo onde Jamel Debbouze, uma das maiores estrelas e humoristas francesas, a chegar com a tocha olímpica ao Stade de France [Estádio da França] e, apercebendo-se do engano, entregava-a a Zinédine Zidane, o primeiro a transportá-la numa jornada que percorreu vários locais emblemáticos de Paris até chegar ao Trocadéro.
Após o prólogo, a cerimónia em si foi dividida em doze capítulos, com muitas referências aos pilares da República Francesa e ao seu espírito revolucionário: "Enchanté" (Encanto], "Synchronicité" [Sincronismo], "Liberté" [Liberdade], "Égalité" [Igualdade], "Fraternité" [Fraternidade], "Sororité" [Sonoridade], "Sportivité" [Desportivismo], "Festivité" [Festividade], "Obscurité" [Obscuridade], "Solidarité" [Solidariedade], "Solennité" [Solenidade] e "Éternité" [Eternidade], intercalando, mesmo com a chuva intensa, a chegada das delegações dos países com imagens do transporte da tocha olímpica por um misterioso mascarado por locais emblemáticos da capital francesa, e as muitas atuações artísticas.
Alguns dos momentos foram os 80 dançarinos do emblemático Moulin Rouge, excertos de "Do You Hear the People Sing?", do musical "Os Miseráveis" e da ópera "Carmen", de Georges Bizet, com a cantora Marina Viotti, ou o replicar dos sinos da Catedral de Notre Dame, pela primeira vez desde o incêndio que a atingiu a 15 de abril de 2019.
A cerimónia incluiu também uma homenagem ao cinema com os irmãos Lumière e Georges Méliès, mas também com a entrada num submarino dos Mínimos, que se descobre terem roubado a Mona Lisa: apesar de ser distribuído por um grande estúdio norte-americana, a produção é maioritariamente francesa.
Outro momento literalmente elevado foi o da meio-soprano Axelle Saint-Cirel a interpretar o hino francês La Marseillaise, incluindo a pouco conhecida sexta estrofe, no telhado do Grand Palais.
Perto do fim da cerimónia, o misterioso ‘mascarado’ não revelou a sua identidade: foi Zidane que regressou para receber a tocha, que passou ao tenista espanhol Rafael Nadal, o ‘rei’ de Roland Garros e a fazer provavelmente a sua última participação nos Jogos enquanto atleta.
Numa lancha no Sena estavam para o receber outros campeões: a tenista norte-americana Serena Williams, a ginasta romena Nadia Comaneci e o velocista norte-americano Carl Lewis.
A tocha com a chama olímpica foi a seguir transportada até ao Museu do Louvre por vários atletas franceses, como a tenista Amélie Mauresmo, o basquetebolista Tony Parker ou o ciclista Charles Coste, que nasceu em 1924, o ano da última vez que a França recebeu os Jogos, e o mais idoso medalhado do país (ouro nos Jogos de Londres em 1948).
Mesmo antes do momento perfeito com Céline Dion, Marie-José Perec, a atleta de atletismo mais condecorada de França, e Teddy Riner, judoca com três medalhas de ouro, acenderam a gigantesca pira olímpica em forma de balão de ar quente, que subiu para iluminar o céu de Paris, onde ficará a pairar até ao fim dos Jogos a 11 de agosto.
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