Foi assim que Jane B, atriz, cantora, musa no que essencialmente a Gainsbourg diz respeito, francesa, já quase mais que inglesa, se apresentou na Casa da Música, no Porto, para um concerto de homenagem àquele que, de acordo com a própria, para além de cantor e compositor, se trata de um dos maiores escritores da língua francesa. “Toda a gente sabe que o Serge é um bom escritor, um dos mais importantes escritores da língua francesa. Não consigo fazer com que os ingleses o entendam, mas eu sei que vocês percebem”, confessou-nos mais adiante, enquanto apresentava Ballade de Jonny-Jane, tema escrito para a personagem que interpretou no filme “Je T'aime Moi Non Plus” (1976), realizado por Serge Gainsbourg.

“Jane Birkin canta Gainsbourg via Japão”contou com aliderança e orquestração do “maestro” e pianista Nobuyuki Nakajima que, em conluio com o baterista Ichiro Onoe, com o trompetista Takuma Sakamoto e com a violinista Hoshiko Yamane, musicou, numa nova roupagem, a amostra do imenso repertório de Gainsbourg apresentada esta noite. Requiem por un Con deu início ao espetáculo e ao preâmbulo pelos temas que celebrizaram Birkin enquanto cantora, entremeados por aqueles que a nós chegaram protagonizados por Gainsbourg, em versões não menos incisivas, fluentes na candura vocal queo caracteriza.

“Perguntam vocês o que faço eu aqui -esta inglesa/francesa com estes japoneses". Birkin conheceu os músicos que atualmente a acompanham numa viagem ao Japão, a propósito de um concerto solidário a favor das vítimas do tsunami que abalou o país em março do ano passado. Ciente de que o apelo às ajudas para a reconstrução do Japão tem de ser feito continuamente, decidiu convidar estes músicos para uma digressão pelos Estados Unidos, que entretanto lhe tinha sido proposta, avivando deste modo a memória dos ocidentais.

Assim foi concebido este espetáculo que permitiu que Jane Birkin chegasse até nós, na celebração do génio de Gainsbourg. “É meu dever cantar Serge Gainsbourg porque ele escreveu para mim desde que eu tinha 20 anos até quase ao dia em que morreu". E com esta dedicatória, a intérprete presenteou-nos com Amour de Feintes, última canção que Gainsbourg terá escrito.

No meio da plateia, de surpresa, Hoshiko Yamane substitui Birkin nas deixas do dueto Comic Strip, enquanto esta se mantém no papel do ex-amante. Com Mon Amour Baiser foi a vez da cantora descer até ao público e percorrer uma das filas de cadeiras sentadas, onde distribuiu sorrisos e obrigadas e, onde entre tanto beijo cantado, lá acabou por receber, meio desprevenida, dois beijinhos de uma fã mais atrevida. De volta ao palco, Birkin irradiou simpatia e deixou os presentes enternecidos com uma jovialidade invejável e uma sincera gratidão - “Quero agradecer-vos porque, dadas as circunstâncias, não sabia se viriam. A vossa curiosidade é algo de muito enriquecedor para nós”.

Do álbum conceptual “Ballade de Melody Nelson”, que Birkin diz ser o responsável pela consagração de Gainsbourg e de o ter levado à boca de cantores como Beck e Rufus Wainwright, seguiu-se o tema com o mesmo título. Para nos comprovar a mestria de letrista de Gainsbourg e exemplificar os jogos de letras e o brilhantismo no domínio das palavras, cantou-nos Haine pour Aime, que culminou na apresentação e no agradecimento aos colegas de palco.

Antes mesmo de nos anunciar a última cantiga, Les Dessous Chics, Birkin partilhou com o público o ensinamento dos novos amigos e da cultura japonesa, contrário a este apego tão europeu ao passado, à nostalgia, e à ideia mentirosa do que o ontem é sempre melhor que hoje - “Estou-lhes muito grata por essa lição”.

Para o encore guardaram-se La Chanson de Prévert, L'Aquoibioniste e La Gadoue. Já a confirmação de que há belezas que se expandem para além da pele e muito para além dos desígnios do tempo, essa, foi-nos assegurada noite dentro, reflectida na simpatia contagiante de Jane B, e no carinho imenso com que nos falou e com que cantou as palavras do eterno Serge Gainsbourg.

Texto: Ariana Ferreira

Fotografias: Ana Limão