O projeto é da Área Metropolitana do Porto (AMP) e teve início em 2021 com o programa Mater 17, mas, devido a restrições ainda relacionadas com a pandemia, só este ano reuniu todos os participantes para se apresentar pela primeira vez ao público como o coro polifónico visado no conceito inicial, com cantores e performers dos 9 aos 90 anos de idade.

A AMP diz que o que se irá ver no domingo na Praça Progresso é, assim, “um espetáculo único” e de entrada livre, que, a partir do trabalho vocal e da prática artística colaborativa, procura “promover o sentido identitário e o sentimento de pertença a um território comum”.

Mauro Rodrigues é o coordenador do projeto e, referindo que os primeiros 17 espetáculos individuais só foram possíveis “com a ajuda de suportes vídeo e o entusiasmo de todos os participantes”, dá agora por cumprido o objetivo de juntar essas 350 vozes “num mesmo palco”, após um processo de construção coletiva que culminou na criação de nove temas originais a partir de histórias e tradições locais.

Uma dessas composições nasceu da reflexão de 27 cantores de Oliveira de Azeméis, selecionados a partir de convites que a autarquia dirigiu a associações como o rancho folclórico Cravos e Rosas.

Foi através dessa coletividade que Mário Cunha se associou ao projeto apenas um mês depois de ter sido pai, o que, face às “exigências do bebé”, o leva a dizer que o pior da experiência foi “o número excessivo de ensaios” – sobretudo os quatro de caráter geral nas vésperas da estreia, com uma carga de “cinco horas cada um”.

“Tirando isso, está a ser muito interessante”, admite à Lusa o cantor e flautista. “Encontrar a identidade de cada município foi um processo fantástico e, além disso, o convívio também tem sido muito importante”, realça.

O aspeto da identidade local mais explorado “no ‘brainstorming’ entre os participantes de Oliveira de Azeméis” foi a indústria vidreira e, quando esse grupo passou a ensaiar com o de Santa Maria da Feira, “relacionou-se essa história com a deles, que é em torno do castelo e da cortiça”. O resultado dessas duas fontes de memórias, conta Mário, é “uma canção com referências dos dois concelhos” e na qual o canto se cruza com uma performance física envolvendo garrafas de vidro lançadas ao mar, com mensagens para desvendar em palco.

Rivalidades históricas entre os dois municípios? Ainda persistirão. “Há sempre ali qualquer coisa”, analisa o músico. “Para agendar os ensaios, por exemplo, nunca havia disponibilidade da Feira para as datas de Oliveira. Quanto ao local dos ensaios, os de Azeméis também foram duas vezes à Feira e eles só cá vieram uma vez. Mas o povo oliveirense está sempre disponível e solidário – chega-se sempre à frente quando é preciso”, garante.

Entre Matosinhos e Maia, outros dois parceiros de uma vizinhança a explorar com canção própria, também haverá razões históricas para rivalidades territoriais, mas são bem mais antigas e “já ninguém se lembra delas”. É essa a perspetiva de Rute Alves, que chegou ao “Cor(p)o Metropolitano” como técnica da Câmara de Matosinhos, destacada para zelar pelo bom funcionamento dos ensaios e acabou com funções extra: “Apaixonei-me. Quis logo participar no coro também e acabei por ficar a fazer as duas coisas – a trabalhar e a cantar”.

Num dia em que teve de levar consigo o filho de 10 anos, ainda o ensaio ia a meio e também ele já estava rendido. “Perguntou-me ‘Achas que eles ainda aceitam mais gente? Será que posso entrar?’”, recorda a mãe. O rapaz foi bem-vindo, dedicou ao projeto parte das férias, mostrou-se “sempre ‘super-entusiasmado’” e é agora um dos protagonistas do espetáculo, lendo a solo o diário de bordo sobre “o dia 67 de uma expedição em 2098”, em que se cruzam referências ao porto de Leixões com outras ao Monte de São Miguel-O-Anjo.

Rute já tinha integrado bandas de garagem, mas, mesmo sem experiência em canto coral, assegura que “qualquer pessoa pode participar no projeto, porque os diretores musicais são espetaculares, exímios mesmo, e conseguem cativar toda a gente”. Declara que nada ficou ao acaso em toda a produção da AMP e que até o guarda-roupa tem por base razões históricas ou objetivos emocionais.

Os artistas de Azeméis e Feira, por exemplo, vão vestir-se em tons de rosa velho, próximo do ‘taupe’; os de Matosinhos e Maia irão trajar castanho. Rute preferia a cor do mar, mas compreende a recusa: “Explicaram-me que o azul é só para os músicos profissionais que acompanham o coro. Eles são o mar que cria fertilidade; nós, de castanho, somos a terra, que gera fruto, que cria sons”.