"A minha missão hoje é entreter-vos. Prometo que vou tentar fazer o melhor possível", garantiu Harry Styles poucos minutos depois da aplaudidíssima entrada em palco, na noite de 18 de julho, apresentando-se em tronco nu com colete e calças prateadas (brilho das lantejoulas incluído), num Passeio Marítimo de Algés repleto - e que se diria já conquistado à partida.

Disparou um "boa noite" (assim mesmo, em português), e ao longo da 1h45 seguinte não deixaria de retribuir à sempre muito audível devoção de milhares com um "obrigado" ocasional. "Estão emocionalmente estáveis?", perguntou com um sorriso largo. A resposta foi mais um exemplo de histeria coletiva partilhado por um público heterogéneo, a cruzar várias gerações mas com a predominância de adolescentes do sexo feminino e crianças acompanhadas dos pais.

Longe vão os tempos dos One Direction, boyband que revelou em 2010 o britânico que conta hoje 29 anos, tem já três álbuns a solo na bagagem e iniciou em paralelo uma carreira promissora no cinema (que até já chegou ao Universo Cinematográfico Marvel). Tal como George Michael, Robbie Williams ou Justin Timberlake antes dele, o seu percurso em nome próprio não só tem sido amplamente bem-sucedido - junto do grande público e de parte expressiva da crítica - como o afasta cada vez mais das origens às quais não queria estar confinado.

Prova maior desse acolhimento, a Love On Tour trouxe-o de volta a Portugal após a estreia na Altice Arena, também em Lisboa, no ano passado, noutro espetáculo esgotado. Centrada no segundo e terceiro álbuns, "Fine Line" (2019) e "Harry's House" (2022), respetivamente, com o mais recente a dominar o alinhamento, a digressão teve no Passeio Marítimo de Algés o seu penúltimo concerto sem que nem o artista nem a banda tenham mostrado sinais de cansaço.

Uma colaboração com pernas para dançar

Propondo uma seleção de canções que não foi drasticamente diferente da primeira passagem por cá (o que já seria expectável), a noite confirmou o seu anfitrião como uma força a acompanhar na pop atual e não dispensou algumas surpresas. Uma delas surgiu logo nos minutos iniciais, quando Styles convidou as Wet Leg, banda que tem assegurado as primeiras partes dos seus concertos, para o acompanharem em dois temas. Um foi "Wet Dream", da dupla feminina originária da Ilha de Wight, canção espevitada que versa, com humor, sobre sonhos molhados ou masturbação e deixou muitos a gritar "I've got Buffalo '66 on DVD" - certamente algo que poucos esperariam ouvir num espetáculo de Harry Styles e que deverá alargar o culto em torno desse filme de Vincent Gallo. O outro foi "Daylight", single com remate igualmente fervilhante e a sugerir que os universos do britânico e das convidadas até nem estão assim tão distantes: embora elas partam da new wave, têm a mesma sensibilidade pop para canções de cerca de três minutos e facilmente trauteáveis.

O segundo momento inesperado deu-se mais à frente, quando o cantor se debruçou sobre os muitos cartazes com mensagens dos fãs. E se o concerto do ano passado já tinha testemunhado um pedido de casamento, desta vez o anfitrião desejou os parabéns a uma espectadora das primeiras filas e ajudou outra a fazer o seu "coming out" (a assumir a sua orientação sexual), seguindo o apelo do cartaz da própria.

"Liberdade para a Júlia", gritou, já a dançar com a bandeira do arco-íris enquanto pedia à banda "música gay acelerada". Além de inesperado, foi dos episódios mais celebrados de uma atuação que serviu logo a seguir o seu segmento mais efusivo: "Late Night Talking", "Cinema", "Music for a Sushi Restaurant" e "Treat People With Kindness" trouxeram funk e disco da melhor colheita, com as versões de palco a soarem ainda mais bamboleantes do que as gravadas, cortesia de uma banda em forma e a dar tudo nos metais. Também ajudou que esta sequência tenha sido apresentada sem pausas, uma vantagem evidente quando quase todas as anteriores e seguintes tiveram um pouco apelativo ecrã preto como separador (detalhe cénico a pedir revisão num espetáculo que nem precisa de grande aparato visual, mas que não sai beneficiado por um recinto em que uma parte assinalável do público só consegue ver o palco através dos ecrãs gigantes).

Não por acaso, quase todas estas canções mais dançáveis saíram de "Harry's House", o registo mais conseguido de um cantor e compositor ainda à procura do seu território. Para já, parece mais interessado em olhar para um passado relativamente longínquo (os anos 1970 ou 1980) do que em revolucionar paradigmas pop. Nada que tenha corrido mal a Mark Ronson ou Bruno Mars, nomes dos quais se aproxima nesse terceiro álbum, lembrando também o embalo indie de uns Metronomy ou Phoenix na faceta mais sintética. The Weeknd e os Daft Punk de "Random Access Memories" são outras pistas possíveis, assim como o legado de uns A-ha ou os ensinamentos dos Arcade Fire (que por sua vez fizeram uma versão de um dos seus maiores êxitos, o ubíquo "As It Was", estrategicamente guardado para o encore da noite).

Chorar, filmar, recordar

Embora tenha feito mexer uma legião de fãs - muitos vestidos a rigor, com plumas e chapéus rosa -, Styles também motivou o choro mais ou menos contido de outros tantos, sobretudo quando se apresentou em modo intimista, na guitarra ou ao piano. Será difícil não destacar "Matilda" e "Sign of the Times", dois dos que mais convocaram telemóveis para o papel que noutros tempos estava a cargo de isqueiros.

Também não faltou quem estivesse de telemóvel em riste durante quase toda a atuação, o que pode ser tão incomodativo para quem está perto como uma overdose de gritos. Mas tenhamos fé nas novas gerações: "Aprecia, ouve e leva contigo nas memórias", recomendou uma espectadora ao filho, uma das inúmeras crianças que saíram tão deslumbradas como os adolescentes de hoje e de ontem que entoaram do princípio ao fim "What Makes You Beautiful", dos One Direction (afinal o passado não foi completamente esquecido e teve ainda direito a um excerto de "Best Song Ever", também da antiga boyband).

Antes de se terem juntado ao anfitrião, as Wet Leg subiram a palco sem deixar ficar mal a pontualidade britânica: até arrancaram uns minutos antes da hora prevista e raramente desaceleraram durante o final da tarde. Com atenções alavancadas logo ao primeiro single, o viciante "Chaise Longue", o duo de Rhian Teasdale e Heste Chambers mostrou que não era banda de uma só canção com o estimável álbum de estreia homónimo, editado no ano passado, casa de acessos indie rock igualmente fulminantes como a já mencionada "Wet Dream", "Oh No" ou esse colosso distorcido chamado "Angelica", um dos grandes momentos da atuação.

Acompanhadas por dois músicos em palco, elogiaram, de forma tão simpática como pachorrenta, o espaço ("É muito bonito, temos muita sorte") e a presença de um público numeroso num dia quente, assim como as portas que o convite de Harry Styles lhes abriu (e ele não se cansou de lhes agradecer de volta). A meio de "Ur Mum", convidaram os espectadores a uma gritaria generalizada que até o concerto principal da noite teve dificuldade em suplantar. Mas não desfazendo do seu empenho, muitos dos presentes talvez nem precisassem de um artista de abertura. O desfile de canções que se ouviu no recinto, entre os dois espetáculos, com clássicos dos Beatles, Robbie Williams ou Cardigans (bela surpresa, a tremenda "My Favourite Game"), parece ter sido mais do que suficiente para manter a animação. "Bohemian Rhapsody", hino dos Queen, foi mesmo um acontecimento, com uma euforia sem qualquer equivalência na atuação das Wet Leg (descontando os tais gritos em "Ur Mum"), cantada por milhares a plenos pulmões e a convocar uma profusão de telemóveis para captar o momento, como já tinha acontecido no concerto na Altice Arena. "Sign of the Times", lá está...

Horas depois, a saída do recinto deu um travo amargo à noite de um competentíssimo concerto pop. Quem utilizou os transportes públicos, recomendados pela organização do evento, dificilmente terá demorado menos de uma hora a encontrar lugar num, até porque se viu obrigado a atravessar a ponte perto da estação de comboio de Algés, o que tornou a tarefa especialmente morosa. E tendo em conta que a atuação decorreu num dia útil, a odisseia foi ainda menos apelativa. Harry Styles bem pode agradecer mais uma vez (ou dez) aos fãs que tem por cá...

Alinhamento do concerto de Harry Styles:

Daydreaming
Golden
Adore You
Keep Driving
Wet Dream (versão das Wet Leg, com as Wet Leg)
Daylight (com as Wet Leg)
She
Matilda
Satellite
Late Night Talking
Cinema
Music for a Sushi Restaurant
Treat People With Kindness
What Makes You Beautiful/excerto de Best Song Ever (dos One Direction)
Grapejuice
Watermelon Sugar
Fine Line

Encore:
Sign of the Times
Medicine
As It Was
Kiwi