“Tocar esta guitarra, é estar com ele [B.Léza]. Estou com ele”, contou à Lusa Armando Tito, que conheceu o compositor ainda menino, sendo presença na sua casa, onde participava nos “batizados de bonecas”, juntamente com Luís Fortes, outro nome sonante da música cabo-verdiana.

“Era pequenino e sempre que ia ter com o B.Léza e ia tocar lá, ele falava muito comigo. Era uma pessoa bem-disposta, de alta categoria. Foi um homem muito incrível”, disse.

Para Tito, que veio para Lisboa ainda jovem e tocou com grandes nomes, como Travadinha, Cesária Évora, Paulino Vieira ou Ildo Lobo, B.Léza não era só um grande músico e compositor, mas também “uma pessoa com um coração de ouro”.

Agarrado à guitarra “sagrada”, que conta já com 90 anos, a qual ajudou a reconstruir, Armando Tito identifica as marcas únicas do instrumento, como o seu pouco peso, a pequena largura e o som agudo, além de um buraco no braço, onde Francisco Xavier da Cruz, conhecido como B.Léza, colocava o cigarro.

“Bronze não perdeu som, está com o som na mesma. É uma boa guitarra. Está novinha, parece que não tocou nada”, disse.

Mas existem outras marcas: “A Maria Luísa [mulher de B.Léza] estava cansada daquelas músicas e daquela gente toda lá em casa, não tinha privacidade. Um dia estava ‘com os azeites’, pegou no violão e vai na cabeça do B.Léza, mas o B.Léza desviou e o violão deu na quina da cadeira e fez um buraco”, contou à Lusa Veladimir Romano Calado da Cruz, um dos filhos do músico.

O instrumento é também o resultado da procura do compositor por um som – mais tarde conhecido como “meio-tom”, tão característico da sua obra -, tendo sido construído em Lisboa, segundo o desenho e as escolhas de materiais do autor de “Miss Perfumado”.

Apesar de ter outros instrumentos, era pela guitarra Bronze - ou o Bronze, pois trata-se de um violão -, que B.Léza se fazia sempre acompanhar, mesmo quando a doença o obrigava a andar de cadeira de rodas.

B.Léza morreu em 1958, com 55 anos, e Armando Tito foi um dos músicos que participou no funeral que encheu de música as ruas do Mindelo.

Após a sua morte, poucos foram os autorizados a tocar o Bronze, alguns dos quais, como Luís Rendall, já faleceram. Em Portugal, resta Armando Tito, 79 anos, até porque foi ele que a recuperou, já que também é marceneiro.

Mas a família esclarece que a Bronze é do povo cabo-verdiano, esperando apenas um lugar digno para estar exposto.

Armando Tito continua a participar em espetáculos que todos os anos o levam a vários países para acompanhar nomes sonantes e os novos que se vão evidenciando.

“Sinto-me feliz, é a minha felicidade estar com essa guitarra na mão”, afirmou.

Junto dele, os dois filhos de B.Léza não escondem a satisfação pelo legado.

“O Armando Tito é menino de Soncente [São Vicente, em crioulo dessa ilha] e menino de casa de B.Léza. Uma pessoa por quem tenho muito amor, muito carinho, muito respeito. Não é só um génio musical, também é um grande marceneiro”, disse Veladimir Romano Calado da Cruz, 74 anos, que saiu de Cabo Verde aos seis anos.

Há 40 anos que Veladimir trabalha no espólio de B.Léza, reunindo objetos e informações nos quatro cantos do mundo.

“A história deste violão é a história do B.Léza”, disse, referindo-se ao instrumento como “um violão icónico” que, curiosamente, não aparece em nenhuma das fotografias do compositor.

“Sem ele, o B.Léza não teria tido o complemento para as suas melodias, com as musas que ele teve ao longo da sua vida”, disse.

“O B.Léza, ao introduzir o célebre meio-tom na morna, consegue dar outro carisma à composição e a partir aí ele cria o inconfundível toque quando se escuta uma morna do B.Léza”, disse.

Osvaldo dos Santos da Cruz, o outro filho de B.Léza, vive há décadas no Brasil, tendo deixado Cabo Verde aos quatro anos.

Com 70 anos, não tem dúvidas de que o pai “representou tudo o que é hoje a música de Cabo Verde”.

“Ele é tocado nos quatro cantos do mundo, porque o mundo reconheceu que havia uma terra pequenina, com uma música muito grande”, afirmou à Lusa.

E foi sua a iniciativa de construir quatro réplicas da guitarra Bronze, que um dia espera oferecer a cada uma das ilhas onde B.Léza compôs e tocou mornas, além de São Vicente, onde nasceu: Santo Antão, Fogo, Brava, Santiago.

“É um orgulho ver pessoas como o Armando Tito ter o prazer de tocar o que chamamos ´la violão`, que pertenceu a um grande compositor cabo-verdiano e que representa o que os cabo-verdianos mais adoram, que é tocar a música, tocar a morna”.