![Fusing Culture Experience 2014: Ventos do Norte](/assets/img/blank.png)
Casaco, calças, luvas e cachecol. Teria sido esta a melhor forma de enfrentar o frio que se fez sentir na primeira noite da segunda edição do evento, marcada por muito vento e muito frio, num recinto que nunca encheu completamente.
Coube a Noiserv abrir a parada no certame que vive quase em exclusivo da música portuguesa, embora, na sua grande maioria, cantada em inglês. O projeto de David Santos apresentou “Almost Visible Orchestra [A.V.O]”, o seu álbum de 2013, perante um público ainda escasso e pouco comunicativo com o músico, apesar dos esforços deste para criar uma ligação com a audiência que estava junto ao palco Experience. Mas o frio, cortante, fazia já algumas mossas e, quase no final, David Santos queixava-se da garganta.
Em palco, rodaram temas do EP “A Day in the Day of the Days” e do álbum de 2008, “One Hundred Miles From Thoughtless”. Noierv teve ainda um momento mais nacional, ao entoar “Palco do Tempo”, uma das canções compostas para a banda sonora do filme “José&Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes.
“I Was Trying to Sleep When Everyone Woke Up” foi o tema que se ouviu antes do músico perguntar se ainda tinha tempo para tocar mais duas canções. “Obrigada pelo convite. São sempre boas estas iniciativas, apesar das dificuldades e do vento. Já me perguntaram se não me importava de tocar num palco mais pequeno, depois de, no ano passado, ter tocado no principal, mas de lá não tenho esta vista”, disse no final, referindo-se ao mar à sua frente.
For Pete Sake foi a banda que abriu o palco Fusing, mas que não esteve à altura do grupo de pessoas que já se juntava no recinto àquela hora. Pouco faladores, protagonizaram um concerto marcado pelo silêncio perante o público, sobretudo depois da performance de David Santos, que é um comunicador por excelência. Tocam bem, têm energia, mas faltou-lhes quebrar o gelo com a audiência. Essa tarefa havia de calhar a Capicua.
No palco Experience, os First Breath After Coma revelaram-se uma boa surpresa ao vivo. Com a sua sonoridade a evocar bandas como Sigur Rós, os «putos» de Leiria souberam agarrar o público, que era, sobretudo, constituído por conhecedores. Aliás, a característica deste palco secundário foi, sobretudo, ter à sua frente grupos de pessoas que gostavam e queriam ver as bandas que aqui tocavam. Por isso, são pequenos grupos, mas apreciadores de música. Nitidamente, não estão aqui pelas modas. Do álbum, já de 2012, “The Misadventures of Anthony Knivet” foram saindo os temas deste concerto, como “Knivet”, “Escape” ou “Apnea”, que ficou para final.
A rapper do porto, Capicua, a.k.a. Ana Matos, conseguiu agrupar o maior número de pessoas à sua frente e soube quebrar o gelo que ainda estava instalado pelo recinto. Conseguiu pôr toda a gente a dançar com os braços no ar, enquanto ia lançando palavras sentidas do seu mais recente trabalho, “Sereia Louca”, como “Lenga”, “A Última”, “Maria Capaz”, “Mão Pesada” – dedicada às mulheres presentes – ou “Vayorken”. Acompanhada por Marta (M/) e D-One, a rapper casou o hip hop com o rap numa união pintalgada ainda por evocações à música popular portuguesa de Zeca Afonso.
Capicua soube encontrar o seu lugar num estilo musical quase sempre dominado pelo homens. Mas Ana Matos sabe também mexer-se noutros meios e, assim, não é de estranhar que até já tenha escrito uma nova versão do fado “A Casa da Mariquinhas”, desta vez cantada pela maravilhosa Gisela João.
De passagem pelo palco Experience, os Sensible Soccers encantaram quem os ouviu. Ainda a romper a barreira do sucesso, o quarteto constituído por Emanuel Botelho, Filipe Azevedo, Hugo Alfredo Gomes e Manuel Justo soube agarrar o público ao chão, com o seu som etéreo e psicadélico, onde os instrumentos – dois sintetizadores, baixo e guitarra – são os reis. O mais recente trabalho de estúdio da banda de Vila do Conde, “8”, foi dominando o palco Experience e quase que deu para esquecer a nortada que se fazia sentir nas nossas costas. Mais uma vez, com exceção para Capicua, que atuou no palco Fusing, foi este o palco a apresentar as melhores prestações da primeira noite.
Os You Can’t Win, Charlie Brown acabaram por subir ao palco 25 minutos depois da hora marcada, o que, num evento tão pequeno como este, acaba por fazer mossa. Ainda que tenham andado, também, por “Chromatic” (2011), foi principalmente por “Diffraction/Refraticon” que os YCWCB se aventuraram e tentaram sacudir o público presente no recinto. Não sei se pelo frio ou pelo espaço estar muito aquém do cheio, o facto é que o público parecia meio adormecido e temas como “After December”, “Be My World”, “Under” e “Natural Habitat”, entre outros, não foram suficientes para criar um bom espetáculo. O som, que era claro apenas para quem se encontrava bem em frente ao palco, não ajudou a fazer desta a melhor noite do Fusing.
Na segunda noite, o vento acalmou e quase despareceu, assim como o público. A noite mais fraca em termos de audiência quase que adormeceu e nem uns elétricos - e muito animados - Norton – conseguiram quebrar o gelo das cerca de 300 pessoas que se encontravam junto ao palco. Nem mesmo quando o vocalista, Rodolfo Matos, se juntou à multidão, depois de ter afirmado: “Esta vocês têm a obrigação de cantar connosco”. “Turn it up, turn it down, turn it all around” foi a tentativa para puxar pelo público, que muito timidamente entoou os versos da canção. E mesmo quando a banda pedia palmas, apenas meia dúzia de distraídos levantavam as mãos.Aliás, a frieza e a pouca participação do público nos mais variados concertos da segunda noite foi notória, embora algumas das bandas se tivessem esforçado para puxar pela audiência.
Pontualmente, às 22h16 (uma das características deste festival é que quase nenhum dos concertos tem início previsto para horas certas, tipo 20h ou 22h15…), os peixe:Avião subiram ao palco Fusing. Se a audiência estava mais composta do que nos concertos anteriores, continuou a notar-se pouca emoção por parte desta. Foi só nesta altura que o vento começou a fazer-se sentir, fazendo valer a máxima de que falávamos. Parece que é com o vento que as pessoas chegam...
E foi com Cícero que a noite aqueceu mais um pouco, mas só na voz doce, melódica e sentida deste carioca, que veio acompanhado de músicos portugueses. Era o nome forte desta segunda noite (na vertente músico internacional) e, por isso, o (pouco) público que aqui se apresentou era bem conhecedor dos temas de “Canções de Apartamento” e “Sábado”, os dois álbuns já editados do músico brasileiro. Muitas canções entoadas em coro, mas, ainda assim, longe da emoção do concerto apresentado no Musicbox, em Lisboa, em abril passado.
Os lisboetas Capitão Fausto rebentaram a escala da noite, apresentando o espetáculo mais forte do segundo dia. “Verdade”, “Sobremesa”, “Litoral”, “Febre” e “Flores do Mal” foram saindo das vozes e dos instrumentos da banda que sabe aproveitar, e bem, a sua juventude. Tomás Wallenstein soube ainda representar o rock de feição, quando se atirou para o chão e continuou a tocar. Uma mega festa para acabar em bom o dia que se revelou o mais fraco do Fusing, em termos de audiência.
B Fachada abriu as portas do Palco Fusing na noite do epílogo, em apresentação do seu mais recente álbum, “B Fachada” (sim, o B não caiu e podem ficar a saber porquê aqui, numa entrevista que o Palco Principal fez ao músico há uns dias). Vinte minutos após a hora marcada, B Fachada declara, a abrir: “Não tenho teclado!”. Ri-se. Aliás, nota negativa para o som do palco principal, que esteve nas piores condições nesta noite.
“Camuflado”, “Um Fandango Ensaiadinho”, “Dá Mais Música à Bófia” são temas que vão sendo apresentados. “Antes do Godinho, havia outro, o Zeca”, revela, antes de vir à boca de cena para erguer as mãos ao céu e entoar “Já o Tempo se habitua (Zeca)”, tema de Zeca Afonso e que também faz parte do mais recente registo de B Fachada. Mas houve ainda tempo para cantar outras coisas mais antigas, como “Afro-Xula”, “Quem Quer Fumar com o B Fachada”, “Não Pratico Habilidades” e “Mané-Mané”, entre outros. O público, depois do marasmo da noite anterior, soube estar à altura e foi atirando umas graças para o palco e dançando ao ritmo dos sons afro-beats que B fachada colocou no seu último trabalho.
No palco Experience eram os When the Angel Breath a lançar os sons enquanto se aguardava por Dead Combo. David Francisco, o mentor daquele projeto, compõe principalmente para guitarra, por isso foram as guitarras – mais concretamente quatro – a dominar este palco, onde também esteve um trio de cordas. Um bom concerto, apesar do público ter sido muito escasso.
Os Dead Combo chegaram e rebentaram. Literalmente! O som, estupidamente alto, impediu o público de tirar partido da música da banda de Lisboa e a bateria conseguiu fazer com que muita gente procurasse um ‘abrigo’ afastado do palco. Nos concertos em festivais, os Dead Combo têm sido acompanhados por Alexandre Frazão na bateria, mas, se noutros recintos a opção se tem revelado um acompanhamento temperado, aqui, rebentou as escalas. Apesar de, por vezes, se ouvirem pedidos do público para se baixar o som, este manteve-se num nível ensurdecedor. O facto dos técnicos de som não terem percebido isto e de não terem corrigido a situação, só faz imaginar que já estão surdos, por causa das andanças. No final do tema “Pacheco”, as últimas notas do piano de Pedro Gonçalves ficaram a ressoar nos ouvidos do público. Apesar da encenação, das palavras de Tó Trips, que vai apresentando algumas músicas, da fusão do western com o fado, da música de cabaret com o jazz, do blues e do rock, aquele que podia ter sido um dos melhores espetáculos da noite acabou por perder para o ruído. Nota -10 para o som.
The Legendary Tigerman protagonizou O show! Paulo Furtado, a jogar perto de casa – o músico cresceu em Coimbra (apesar de ter nascido em Moçambique, onde viveu até aos dois anos) –, soube fazer a festa em grande, acompanhado por Paulo Segadães na bateria e João Cabrita no saxofone. “Tirem as t-shirts, fiquem de tronco nu, desde que não incomodem a pessoa do lado, a não ser que esta queira ser incomodada”, dizia Paulo Furtado à sua audiência. E esta dançou, cantou, bateu palmas e soube receber o músico que, como sempre, consegue fazer mais sozinho em palco do que muitas bandas. E porque há sempre convidados especiais nos concertos de Paulo Furtado, desta vez coube a Pedro Gonçalves e Tó Trips a honra.
Bem aquecido, o público recebeu então os Paus no palco Fusing. Hélio Morais e Joaquim Albergaria nas baterias, Fábio Jevelim nas teclas e Makoto Yagyu na guitarra criaram um grande espetáculo de encerramento no palco Fusing, com o momento alto do concerto a caber ao tema “Deixa-me Ser”, claro. Uma noite que ficou, definitivamente, marcada pela qualidade das bandas apresentadas e pelo público que esteve à altura.
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