Longe vão os dias em que o então quarteto (hoje quinteto) liderado por Alex Kapranos era amplamente aplaudido graças a um dos álbuns de estreia mais memoráveis da sua geração. O registo homónimo editado em 2004 soava mais a um "best of" do que a uma primeira obra, impôs-se como um dos discos de guitarras obrigatórios do seu tempo e está entre os exemplos felizes da revisitação do pós-punk do início do milénio.

"Franz Ferdinand" também ajudou a realçar Glasgow, a cidade natal do grupo, no mapa musical (facção alternativa) depois de conterrâneos como os Simple Minds, Orange Juice (e o seu vocalista Edwyn Collins a solo), Primal Scream, Mogwai ou os subestimados Bis em décadas anteriores, apresentando uma banda que veio para ficar... mesmo que nenhum dos álbuns seguintes tenha estado à altura desse arranque flamejante e inspirado. Mas também nenhum o envergonha, como voltou a sublinhar o sexto, "The Human Fear", editado em janeiro.

Disco com a particularidade de ser o primeiro a ter a baterista Audrey Tait e o guitarrista Dino Bardot como membros oficiais, é também aquele em que o teclista Julian Corrie teve um papel mais forte na composição e direção criativa, ao lado de Kapranos e do baixista Bob Hardy, os dois únicos resistentes da formação inicial do grupo. E esse acréscimo nota-se em várias canções, incluindo nas particularmente brilhantes "Night or Day" e "Everydaydreamer", com uma presença mais forte de teclados e sintetizadores (que, ainda assim, não é inédita neste percurso e já tinha sido dos elementos distintivos do terceiro álbum, "Tonight: Franz Ferdinand", de 2009).

Temas como esses, ou como "Tell Me I Should Stay (com o piano a marcar terreno logo na abertura) ou "Hooked" (acesso dançável algures entre "Satisfaction", clássico das pistas de Benni Benassi, e os Dandy Warhols sintéticos da fase "Welcome to the Monkey House") revelaram um disco mais interessante do que sugeria "Audacious", single de apresentação que é, ironicamente, o episódio menos audacioso desta colheita.

Franz Ferdinand
Franz Ferdinand créditos: Rita Sousa Vieira

Foi, de resto, com um tema de "The Human Fear" que os Franz Ferdinand se reencontraram com o público português esta sexta-feira. "The Doctor", aprazível disparo new wave com refrão gritado e orelhudo, foi também o único acolhido pelos espectadores ainda maioritariamente sentados. Kapranos não demorou a elogiar o entusiasmo dos fãs nacionais, em particular os lisboetas, agradecendo-lhes com um "Obrigado" repetido ao longo da noite (assim mesmo, na língua de Camões), destacando as boas memórias de visitas anteriores e apelando a que esta não lhes ficasse atrás.

"Não queria que passassem muito tempo nas cadeiras", confessou o vocalista. E nem precisou de insistir para que quase todos os que o ouviram se levantassem e assim permanecessem durante hora e meia. A canção revisitada a seguir também ajudou, convenhamos: "The Dark of the Matinée", uma das tais pérolas do disco de estreia, fez valer os riffs propulsivos e as melodias vocais irresistíveis num convite à dança que dominou praticamente toda a atuação.

Franz Ferdinand
Franz Ferdinand créditos: Rita Sousa Vieira

A alternância entre novidades e temas antigos começou bem e prosseguiu melhor, ao longo de mais de 20 canções que percorreram todos os álbuns do grupo, com destaque para "The Human Fear". É certo que o mais recente era o pretexto para a noite, mas não deixou de ser algo surpreendente ouvirem-se nove das suas onze faixas (pena que a acima elogiada "Everydaydreamer" não tenha sido uma delas). E com direito a uma estreia: "Cats" foi apresentada ao vivo pela primeira vez. "Sinto-me honrado por a tocar para vocês", assinalou Kapranos, atirando-se com fulgor a uma canção com tanto de familiar como de aventureiro. Tão ou mais bem acolhida, "Build It Up" não demorou a ser acompanhada por palmas a marcarem o ritmo, como se já fosse uma velha conhecida.

Mas se as novas canções não refrearam os ânimos nem geraram dispersão, as mais antigas eram, claro, as mais esperadas pela maioria do público. O crescendo no final de "Do You Want To" não deixou dúvidas, a marcar uma viragem perfeita entre implosão e explosão, com banda e público na mesma frequência e entrega. Estrategicamente colocado a meio do concerto, esse single teve réplicas à altura no efeito de "Michael" ("Agora vocês dançam", apresentou o vocalista, e não se enganou) ou da inescapável "Take Me Out", hino no qual as vozes dos espectadores pareciam disputar com as dos hooligans mais acérrimos.

De fora ficou, estranhamente, "Darts of Pleasure", outro portento do disco de estreia que também ninguém recusaria. Mas o grupo voltaria a essa saudosa casa de partida no encore, com "Jacqueline" e "This Fire", esta última a carimbar a tal noite memorável em Lisboa que Kapranos tinha pedido, mérito de uma versão alongada durante a qual o vocalista pediu que o público sentasse, enfim, apenas para o fazer saltar com mais intensidade no refrão. Um truque antigo, previsível até, mas que uma banda como os Franz Ferdinand sabe confecionar, entre outros, com o sabor de uma primeira vez. Não admira que os escoceses já tenham regresso marcado para palcos nacionais: são cabeças de cartaz do festival Vodafone Paredes de Coura, na Praia Fluvial do Tabuão, a 21 de agosto.

Alinhamento do concerto:

The Doctor
The Dark of the Matinée
Night or Day
Walk Away
Cats
No You Girls
Build It Up
Do You Want To
Bar Lonely
Michael
Evil Eye
Black Eyelashes
Love Illumination
Take Me Out
The Birds
Ulysses
Hooked
Outsiders

Encore:
Jacqueline
Audacious
This Fire