Se contarmos como ponto de partida para a narração da história do hip hop português a compilação “Rapública”, lançada em 1994, justifica-se afirmar que no decorrer do próximo ano o estilo comemorará 20 anos de expressão em solo nacional. Há quem escolha outros acontecimentos como começo desta contagem, mas a verdade é que, em termos de visualidade e mediatismo, o single “Nadar” foi a catapulta do movimento para o mainstream.
Volvidos 19 anos desde o lançamento da compilação “Rapública”, o hip hop nacional volta a alcançar mais uma meta e a mostrar que ainda tem a capacidade de se manifestar em força. O primeiro festival Hip Hop Allstars em Portugal levou milhares ao Coliseu dos Recreios na passada sexta-feira e celebrou junto dos fãs duas décadas de história, com artistas da velha e da nova escola.
Regula foi o protagonista do concerto mais celebrado da noite. Com o recentemente editado “Gancho” como principal bagagem, o rapper apresentou-se com o estilo e flow que já fazem parte do seu bilhete de identidade, e serviu aos presentes aquilo que eles queriam ouvir: histórias de vida na primeira pessoa, envoltas em rimas bem estruturadas e jogos de palavras de duplo sentido. Acompanhado em palco pela equipa do costume, Regula deu voz a canções como “5 da Manhã”, “Bar Aberto” – fez uma passagem pelo badalado “Solteiro” (por razões não esclarecidas pela organização, Sam The Kid, o convidado de luxo da noite, não compareceu à chamada) - “Berço D’Ouro”, “É Lá Na Zona”, “Casanova” e não esqueceu uma homenagem ao falecido Snake, com o tema que partilharam juntos na mixtape “Kara Davis Vol.2 (Lisa Chu)”.
Horas antes da apoteose gerada por Regula, numa altura em que ainda faltavam chegar muitas pessoas ao Coliseu dos Recreios, a Liga Knock Out apresentou dois combates de freestyle que opuseram 9Miller contra Profjam e Strata G contra X-Treme, incendiando o espaço por completo e servindo de aquecimento para as atuações.
Os primeiros concertos da noite ficaram a cargo de Dillaz – cantou temas como “Não Sejas Agressiva” e “Pedras No Meu Sapato” – e Malabá, um dos rappers mais pró-ativos da atualidade, que juntou à sua música uma boa componente visual: “Cem ou Sem Problemas” fez-se acompanhar de um mini-coro de miúdos, enquanto “Knock Out” – hino da liga supracitada – trouxe ao palco as peripécias de um conjunto de kickboxers.
Com o álbum “Em Nosso Nome" editado há relativamente pouco tempo, Sir Scratch (acompanhado por Bomberjack nos pratos) entrou em cena ao som de “A Cruz”, e lançou-se prontamente a temas como “Pishback”, “Tendências”, “Por Medo”, “Faz Parte” e “Criatividade”, guardando ainda uma passagem por “Cinema: Entre o Coração e o Realismo” com o clássico “Nada a Perder” e “Mais Que Talento” (com a participação de Capone, que viajou propositadamente de Londres para vir apoiar o irmão). Apesar dos constantes apelos que o artista fez ao público, este pareceu manter algum distanciamento e apatia durante o concerto (não houve muito acompanhamento às letras e os aplausos foram medidos). Pedia-se mais para um artista com o peso e a longevidade que Sir Scratch tem no hip hop nacional.
NGA foi recebido de forma eufórica em palco. Acompanhado por Prodígio e, consequentemente, pelo coletivo Força Suprema, o artista da linha de Sintra trouxe consigo uma boa dose de gangsta rap para apimentar o Coliseu. “Deus É Pra Todos”, e “Prá Merda não Volto”, temas de apresentação do novo disco com lançamento previsto para 2014, foram algumas das apostas do rapper. Prodígio, por sua vez, interpretou canções como “Estragar a Party” e “Swag All Ova”.
Por último, coube a Jimmy P, rapper portuense, a complicada tarefa de encerrar a primeira edição do festival Hip Hop Allstars. Depois de Regula ter enchido as medidas dos milhares que se deslocaram ao Coliseu dos Recreios na passada sexta-feira – alguns abandonaram o local depois da atuação do lisboeta ter acabado – Jimmy P conseguiu puxar pelo público num concerto que, como o próprio sublinhou, foi feito numa proporção de 50/50, com o público a cantar os refrões e a corresponder a todos os pedidos de coros que o artista requisitou. “Game Over”, “Cara Metade” e “Sorytellers” foram alguns dos temas que fizeram a primeira parte do espetáculo. O ponto alto do concerto, e, igualmente, um dos pontos altos de todo o evento, aconteceu quando Valete, um dos grandes nomes da cena hip hop nacional, foi convidado de surpresa para interpretar “Revolution”, tema que integra o próximo disco de Jimmy P, e “Os Melhores Anos”, recebida com o devido mérito por parte do público.
Assim chegou ao final o primeiro festival Hip Hop Allstars, comprovando que o movimento ainda está de boa saúde e que, a pouco e pouco, vai ganhando a força devida e a expressão merecida. Este evento foi um sucesso e mostrou ser um excelente presságio para o ano de celebração que se avizinha.
Manuel Rodrigues
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