![Dead Combo no Coliseu dos Recreios: Ode a Lisboa](/assets/img/blank.png)
No Coliseu dos Recreios, em Lisboa, cidade que os viu nascer enquanto dupla e há dez anos testemunhou o início das suas aventuras pelos discos, os Dead Combo montaram um espetáculo que bem pode ser definido como uma mistura entre teatro e circo. É verdade que nos prometeram um circo, como para alguns é tradição em dezembro, mas, como explicou David Almeida, encarregue de dar início à cerimónia, “os palhaços foram de cana” e “anda aí uma polémica de circos com animais em Lisboa”. Contudo, não faltou o palco no centro da plateia, com cadeiras em volta. É verdade que em casa, tomamos a liberdade de dispor a mobília, as decorações e os adereços como queremos, pois, então, foi isso mesmo que Tó Trips e Pedro Gonçalves fizeram. Não faltou também uma abertura teatral, com metais a partir da tribuna do coliseu e um número na arena. Som e luzes curiosamente “arrumados a um canto”, nos camarotes, que se cheguem para lá os leões do Cardinali e que deixem passar os animais de palco, com todo o respeito, para o seu habitat.
No meio do mesmo não falta o “altar” de flores, rodeado de guitarras e demais instrumentos, conferindo aquele típico ar romântico-burlesco que já identificamos das atuações da dupla. Ainda que esteja também em palco uma bateria, são os dois que iniciam o concerto com “Povo que cais descalço”, uma música que é um despertar de sensações à flor da pele, que nos diz tanto sem nada dizer. Logo de seguida, “Miúdas e Motas”, dos “tempos de liceu”. É engraçada a dinâmica de palco dos dois: se um, por um lado, se desdobra em instrumentos, o outro, com a já típica cartola, descobre mundos na guitarra e marca o ritmo com os sapatos a bater no chão, pancadas fortes mas certeiras. A luz é parca e a atmosfera, outrora circense, é agora intimista, mas nem por isso os aplausos deixam de ser constantes e efusivos.
Ainda que este mais recente disco nos traga o calor do México, o paladar mais picante e a intensidade de uma tequila com limão, que escorrega pela garganta, todo o concerto é como que uma ode a Lisboa, enaltecendo a capital e mostrando-a através de histórias, peripécias e experiências. Tudo aqui ao lado, em sítios que conhecemos tão bem e a fazer-nos sentir, também, em casa. A “Dona Emília”, que durante tantos anos os aturou na Bica, o “Rumbero”, inspirado num rum manhoso da Brasileira ali no Chiado, cuja degustação não é recomendável, e a “Lusitânia Playboys”, recordando uma noite em que uns amigos se meteram com umas miúdas no Caís [do Sodré]...
Hospitalidades à parte, corremos grande parte do repertório da dupla. “Cachupa Man” foi um momento intenso, quase no escuro, e “Putos a Roubar Maçãs” contou, não apenas com o contrabaixo de Pedro Gonçalves, como com um violoncelo e violinos. “Esse olhar que era só teu” foi pretexto para invocar o fado e Amália, tendo sido composta para uma instalação com fotografias da fadista, e a sequência “Pacheco”, “Eléctrica Cadente” e “Cacto” fizeram-nos recuar no tempo.
“Like a Drug” remeteu-nos para Queens Of The Stone Age, banda sonora de estrada para os dois, levou-nos de novo ao deserto e teve direito a uma soprano, a estrear o verdadeiro palco do Coliseu e a juntar-se, depois, aos Dead Combo, no meio da arena. A Real Orquestra das Caveiras subiu ao palco a pouco e pouco. Alexandre Frazão, baterista de jazz entusiástico, juntou-se à dupla em “Pacheco”, tendo o palco ficado completo em “Manobras de Maio 06”. Em “Waits” é palpável o regozijo da agora banda, numa espécie de sessão onde há lugar para reprodução de alguns experimentalismos, já que em estreia de peça não se brinca, e é quase visível também um cenário de filme de Tarantino, muito cru, com muita ação e alguma violência, até, à mistura. Tudo isto no enredo da peça, claro está. A nós apenas cabia a missão de ficarmos sentados e de nos deixarmos levar.
Fomos a Cuba e aos anos 70, passámos pelo México novamente em “A Bunch of Meninos”, com Pedro Gonçalves a protagonizar o momento teatral que se seguia, ao tentar sintonizar um rádio “às pancadas”, e,para finalizar, claro, “Lisboa Mulata”, obra-prima que transpira toda a lusofonia que Portugal tem e que é logo um estímulo para a reação do público. Cabeças abanam de forma menos controlada, ao ritmo da música, e, no final, há ainda aplausos em pé.
O já esperado encore aconteceu no palco do Coliseu, num novo cenário. Frente a frente, como habitualmente, e rodeados por quadros de um lado e de outro do palco, sentimo-nos de imediato numa qualquer sala de estar mais rústica. Ambiente ideal para fechar os olhos e imaginar um “Hawai em Chelas” ou mesmo uma passagem por Cabo Verde, com “B.Leza”.
Após duas horas e meia de concerto, o espetáculo chegou ao fim, de forma um pouco abrupta e inesperada. Um final em aberto nesta narrativa musical com Lisboa dentro. Ao sair, para Rua das Portas de Santo Antão, sentimo-nos também nós, em nossa casa, acabados de sair de uma história para contar. O espetáculo que não é para meninos segue para Norte, no dia 12, sendo que em 2015 pula além do oceano, para os Estados Unidos e Canadá, a “cantar” Lisboa, nesta ode, ao resto do mundo.
Alinhamento:
1. Povo que cais descalço
2. Miúdas e Motas
3. Mr. Eastwood
4. Rodada
5. Sopa de Cavalo Cansado
6. Dona Emília
7. Cachupa Man
8. Putos a roubar maçãs
9. Arraia
10. Rumbero
11. Zoe Llorando
12. Esse olhar que era só teu
13. Like a Drug
14. Pacheco
15. Eléctrica Cadente
16. Cacto
17. Manobras de Maio 06
18. Waits
19. Lusitânia Playboys
20. Cuba 1970
21. A Bunch of Meninos
22. Lisboa Mulata
Encore
23. Hawai em Chelas
24. B. Leza
Texto: Rita Bernardo
Fotografias: Nuno Bernardo
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