São vários os atributos que podemos encontrar reunidos num MC. Uns mais importantes do que outros (uma análise que é sempre subjetiva), mas, ao mesmo tempo, todos indispensáveis. No que toca ao storytelling, Capicua já atingiu uma destreza notória. De tal forma que nos deixamos ser sequestrados pelas suas narrativas, partindo em viagens longas e cativantes, pautadas pelo seu especial à vontade nos domínios da palavra. A verdade é que Ana Matos Fernandes, nome que figura no seu bilhete de identidade, consegue transmitir aquilo que sente de forma direta, sem truques, pura e transparente como a água que canta em "Líquida". Que o digam aqueles que lotaram por completo o Musicbox, no fim-de-semana passado, aquando da apresentação oficial de "Sereia Louca", o segundo disco de originais de Capicua.

Tal e qual como no álbum, o espetáculo dividiu-se em duas metades completamente distintas. A primeira, ligada à mesa de mistura de D-One, DJ que acompanha a artista ao vivo, trouxe canções do novo álbum; a segunda, acústica, secundada pela viola de Mistah Isaac, repescou temas antigos. Mas, como todas as boas histórias, esta também teve um início. E foi através de um discurso pré-gravado que Capicua introduziu o concerto, relatando aos presentes o sonho que deu origem a "Sereia Louca", e lançando-se, logo de seguida, à faixa-título do álbum, provocando os primeiros acompanhamentos vocais da noite.

Capicua adora contar-nos histórias, adora que as oiçamos e esforça-se ao máximo para que as suas ideias nos cheguem de forma clara. Por isso mesmo, recorreu à componente visual para ilustrar as suas músicas, através da veia artística de Dário Cannatá, que deu asas à imaginação e ilustrou, live on tape, recorrendo à tecnologia e a uma tela montada na traseira de palco, as temáticas abordadas (principal destaque para a recriação da "Casa no Campo", de Capicua).

Acompanhada na voz por M7, a artista percorreu "Sereia Louca" de lés a lés, contagiando o Musicbox que, completamente à pinha, não se poupou nos aplausos. "Dia 12 de abril vou estar no Jardim de Inverno do teatro São Luiz", adiantou a anfitriã, pedindo à plateia para transmitir aos amigos que não conseguiram marcar presença no Musicbox que haverá mais uma hipótese de a ouvirem ao vivo. "Vai ser um concerto com os They're Heading West, a convite do Sérgio Godinho, num formato mais acústico", acrescentou, servindo de mote para o momento que se seguiu, em que foi possível ouvir temas como "Casa no Campo", "Vinho Velho" e "Luas" a ganharem novas roupagens, confirmando a excelência de Capicua no campo da poesia falada ("Jugular", cantada a cappella, rematou o momento com chave de ouro).

Até ao final do concerto ainda houve tempo para o público se deliciar com "Medo do Medo", um dos primeiros testemunhos da grandeza lírica da rapper portuense, "Soldadinho", que contou com a participação de Gisela João (a fadista viria a oferecer um ramo de flores à MC, já em tempo de descontos) e um regresso ao passado com "Lingerie", "Maria Capaz" e "Tabu". Mas seriam "Mão Pesada", com Dário a desenhar a silhueta de Frida Kahlo na tela, "Vayorken", tema autobiográfico que encerra "Sereia Louca", e "Pedras da Calçada" os últimos temas a serem ouvidos no Musicbox, colocando, assim, um ponto final na passagem da artista por Lisboa. Para aqueles que não conseguiram ir, não há que desesperar. Para além da atuação do próximo dia 12, no teatro São Luiz, Capicua prometeu um regresso a Lisboa no próximo mês de maio. Resta esperar.

Manuel Rodrigues