O presidente do Hot Clube de Portugal, Pedro Moreira, considera que, aos cem anos, o Jazz em Portugal está pleno de qualidade e diversidade, mas o mercado mantém-se “extremamente” limitado e com honorários iguais ou inferiores aos dos anos 1990.

A Lusa falou com Pedro Moreira a propósito da celebração, hoje, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, de dois centenários - o do primeiro concerto internacional de jazz em Portugal e do nascimento do divulgador Luís Villas-Boas -, promovida pela Égide – Associação Portuguesa das Artes e o Hot Clube de Portugal.

“O Jazz musicalmente está muito saudável em Portugal, apesar de ser um percurso difícil e pouco sustentado. Não é apoiado no sentido do apoio de a, b ou c, mas pouco sustentado num sentido em que seria bom termos um circuito muito mais consolidado, uma rede de concertos profissionais. Desde o pequeno clube, o bar, até ao cineteatro, ao festival, a uma sala de espetáculos maior”, afirmou o presidente daquele que é o mais antigo clube de jazz europeu em atividade.

Embora as condições são sejam as ideais, “o jazz sobrevive, porque é uma pulsão de vida”. “Ou seja, há sempre interessados, há sempre público e há sempre músicos, jovens e não jovens, a querer aprender e a querer progredir com esta música”, referiu.

Atualmente, há “jazz de grande qualidade em Portugal”.

“E temos uma particularidade: o nosso país tendo uma escala muito pequena, temos uma enorme variedade de estilos de jazz. Se fizermos uma seleção de 10, 20, 30 projetos na área do jazz em Portugal, do Norte ao Sul, os estilos são extremamente diferentes. Diria que o jazz em Portugal é muito pouco formatado nesse sentido, pelas boas e más razões”, disse.

As boas razões prendem-se com a “criatividade e o percurso musical, que cada um tem que decidir fazer por si”.

Já as más razões estão ligadas a uma questão de mercado, que “continua a ser extremamente limitado”.

“Os músicos têm que ter espaço para poderem produzir, para poderem apresentar-se e têm que receber honorários condignos. Os honorários hoje em dia para o Jazz são iguais ou inferiores ao que eram há 30 anos, é preciso ter essa noção clara”, alertou, embora tenha sublinhado que “há exemplos ótimos a acontecer no país”.

Pedro Moreira defendeu “uma maior presença de músicos portugueses em festivais”, lembrando que em Portugal não há nenhum grande festival dedicado ao Jazz, mas há alguns de média dimensão “de grande qualidade” e alguns pequenos festivais “que promovem mais os músicos portugueses e os jovens”.

“Na base da pirâmide da atividade profissional estariam os concertos mais informais e com menor remuneração, até chegar ao topo da pirâmide, onde estariam as salas grandes com ‘cachets’ de outra natureza. Essa pirâmide, tipo queijo suíço, está cheia de buracos. Não está muito consolidada e seria bom que ficasse mais reforçada”, disse.

Apesar das dificuldades, os músicos de Jazz “têm uma resistência brutal, enorme prazer em tocar”.

Pedro Moreira recorda que tal foi notório durante a pandemia da covid-19, altura em que “os artistas todos, não só os músicos de jazz, disponibilizaram generosamente [as suas criações], continuaram a criar, a partilhar e a dar isso às pessoas”.

As celebrações dos cem anos de Jazz em Portugal e do centenário do nascimento de Luís Villas-Boas incluem a estreia do espetáculo de teatro e musical “Tudo isto é Jazz!”, que conta a história e histórias do Jazz em Portugal, bem como do seu principal divulgador.

Em palco, o ator João Lagarto será Luís Villas-Boas e estará acompanhado da Orquestra do Hot Clube, dirigida por Pedro Moreira, e de um grupo de solistas: Rita Maria, Sofia Hoffmann e Maria João (voz), Ricardo Toscano (saxofone-alto), António José de Barros Veloso (piano), Gonçalo Sousa (harmónica), Rão Kyao (flauta), Zé Eduardo (contrabaixo) e Laurent Filipe (trompete).

O espetáculo, com lotação esgotada, está marcado para as 21:30, mas as celebrações começam mais cedo, com uma série de atividades de entrada gratuita, também no Centro Cultural de Belém.

Numa mesa-redonda, Pedro Moreira, o músico Barros Veloso, um dos primeiros em Portugal a filiar-se na linguagem do jazz moderno, e o investigador e divulgador João Moreira dos Santos vão fazer um balanço e olhar para o presente e o futuro do Jazz em Portugal.

Depois, um sexteto irá recriar ao vivo um concerto que aconteceu em 1927 no Teatro da Trindade, em Lisboa, do primeiro grupo de jazz norte-americano a atuar em Portugal, os Robinson’s Syncopators.

Na mesma ocasião, será estreado o documentário “Luís Villas-Boas: a última viagem”, do músico Laurent Filipe, que acompanhou o divulgador na sua última viagem a Nova Iorque [em 1994], cinco anos antes de este morrer, e com base nisso construiu o filme.

A programação inclui ainda a apresentação do livro “Villas-Boas, o pai do Jazz em Portugal”, de João Moreira dos Santos, e uma exposição do artista plástico Xico Fran, desafiado a pintar 12 telas sobre a história do Jazz em Portugal.