
Andrew Bird é um músico de corpo inteiro, um erudito por excelência, que consegue canalizar uma efervescência criativa – que poderia tender para uma música egocêntrica e desregrada - para a construção de temas onde a melodia está sempre em primeiro lugar, com mais ou menos grau de improviso ou desvario técnico. Ontem, quem esteve presente na Aula Magna foi brindado com todo o arsenal técnico e criativo de Bird, numa noite que teve um embalo jazz, um fundo rock, um delírio pop e muita, mesmo muita paixão country.
A entrada no palco da Aula Magna apresentou um Andrew Bird vestido de negro da cabeça aos pés, com um ar tão comprometido que parecia entrar em campo para disputar a final da liga dos campeões de um concurso de talentos.
Com “Break it Yourself”, disco editado no início do ano, Andrew Bird virou um pouco as agulhas de uma carreira imaculada. De one man show solitário, Bird quis passar a um formato em modo de banda, formato esse que se apresentou ontem em palco: um guitarrista, um baixista/contrabaixista e um baterista/organista, que ainda emprestaram um coro de segundas vozes que deixaria feliz qualquer chefe de congregação.
“Hole in the Ocean Floor” e “Why”abriram um concerto que rondou as duas horas de duração, numa primeira parte onde Andrew Bird, sozinho em palco, mostrou parte do seu arsenal já conhecido: o primor na execução do violino, o dedilhar assertivo da guitarra, o domínio da gravação de pistas sonoras ou um assobio que, com ele, se transforma num instrumento que poderia integrar uma orquestra de renome.
Bird pediu desculpa pela demora do seu regresso a Portugal, mostrando-se radiante por, desta vez, ter vindo em tão boa companhia musical. Há que lhe dar razão. Os temas ganharam uma outra dinâmica e as surpresas foram muitas: “Desperation Breeds” fez-se cercar por um fundo jazz; “Fiery Crash” foi versão cruzada de country e rock granulado, com um deslumbrante coro de anjos; “Danse Caribe”, um dos mais incríveis temas de “Break It Yourself”, ofereceu ao country umas merecidas férias à beira-mar; “Effigy” começou em modo reggae, para logo a seguir tomar o corpo de uma balada westerniana – se os cowboys dançassem o slow, seria certamente ao som deste tema; “Lusitania”, apresentada como “uma canção que gostaríamos que fosse sobre o nosso país”, confirmou Andrew Bird como o rei mundial do assobio; “Orpheo Looks Back” foi uma viagem até ao mundo celta com muito swing e de braço dado com a groove.
É então tempo para dar descanso à maquinaria e viajar até aos saudosos dias da rádio, naquela que foi a segunda e mais tocante parte do concerto. Como disse Bird a certa altura, “tem sido engraçado despir as canções até ao osso”. E foi a isso mesmo que assistimos, quer de temas antigos - que ganharam uma nova roupagem - ou do novo “Hands of Glory”, disco onde Andrew Bird decidiu colocar a criatividade ao serviço de uma country erudita e muito melodiosa.
Em “When that helicopter comes” abrem-se as portas de uma igreja; “Sovay” ganha um ar fantasmagórico; “Mx Missiles” transforma-se numa barn dance sofisticada; em “Three Wild Horses” o baixo dança e as guitarras choram; “Plasticities” revolve-se num turbilhão sonoro, para terminar com um aconchegante chilrear; “Fatal Shore” transforma-se numa marcha lenta, apenas quebrada por um assobio em modo saltitante; “Tables and Chairs” é a antecipação do Natal em modo algo alucinado.
No encore somos brindados com o belíssimo “If I Needed Yoy” - um original de Townes Van Zandt -, um tema country de bater o pé com “Railroad Bill”, e uma música de encorajamento - “Dont`t be Scared”-, antes do gran finale chegar com “Fake Palindromes”. Quase que poderíamos jurar que este Andrew tem pássaros a viver dentro dele.
Texto: Pedro Miguel Silva
Fotografias: Manuel Casanova
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