Não fosse o diabo tecê-las, meia hora antes do concerto, já o público fazia fila para entrar na sala, na tentativa de garantir um lugar, limitado à lotação do espaço. Porém, por mais confusão ou por maior atraso que pudesse ter sido causado, e por mais paciência que requeresse reorganizar o público nos espaços livres, é de louvar a boa vontade mostrada pela Casa da Música, que permitiu que este se acomodasse em espaços menos convencionais, facultando a entrada a todos os portadores de bilhete, e evitando assim situações mais desagradáveis.

Uns insignificantes minutos após a hora prevista, liderado por Miki (Mihalj Kekenj), violinista e compositor, o quinteto The Grand Strings subiu ao palco para introduzir o espetáculo com uma peça instrumental, ainda sem a presença do cantor. Aloe Blacc entrou em cena, logo de seguida, com uma timidez que se foi perdendo. Puxou de imediato a brasa aos novos arranjos, deixando-nos todos ainda mais curiosos.

Num arranque obscuro, praticamente irreconhecível, Take Me Back confirmou-se nos primeiros versos. Sem bateria, sem guitarra, sem teclados a voz ganha um espaço novo e intensifica-se. O pico de fúria da canção, quando os instrumentos se calam, parece um nada mais furioso que o costume.

Mas “Good Things” (2010), o álbum em foco esta noite, é um disco de outros ritmos, e não é assim que o público está habituado a ouvi-lo. Daí todas as dúvidas adivinhadas aos mais renitentes: Será que a “mudança” convence? Será que as canções ao perderem soul perderão também a alma? A resposta não tardou na força das primeiras palmas e no grito que alguém não conteve e que muito bem resumiu este primeiro momento : “Lindo”! A verdade é que o soul não fugiu, coexiste embrenhado na densidade dos violinos, violoncelo e contrabaixo. É chamado pela voz e respira nas influências mais tradicionais, como tão bem exemplificou Hey Brother.

Femme Fatale, próximo tema neste menu de fusão, um original dos Velvet Undergound, foi a versão escolhida pelo cantor californiano para integrar o disco. Uma versão com a qual disse ter ficado bastante agradado, até esta ter chegado às mãos de Miki, que a tornou ainda mais especial. No tema que se seguiu, Aloe Blacc assumiu-se como uma “enciclopédia do tempo”, e assim poderia ter sintetizado o último trabalho, onde às influências clássicas se mistura a contemporaneidade dos assuntos que aborda, como neste Life So Hard, sobre a atual crise financeira. A consciência política surge de novo, mais adiante, com Polititian, e a ironia contida na pergunta “será que os políticos se importam de verdade?”, a que a sala se apressa a responder que não. Ciente da responsabilidade inerente ao facto de as pessoas o ouvirem, Aloe cantou-nos a revolta em forma de alerta.

Sentados nas cadeiras, não há como resistir a um abanar de cabeça ou a um gingar de ombros perante Loving You Is Killing Me. O entusiasmo do público não é disfarcável quando se junta no refrão e suplanta a música com a ajuda de palmas. Ainda na senda do amor, desta vez numa perspetiva menos amarga e mais ternurenta, seguiu-se If I.

Com dedicatória a todas as mães, porque não há maior revolução do que dar a vida a um filho, Momma Hold My Hand antecipou o momento mais aguardado da noite. Tratou-se, como seria de esperar, por I Need A Dollar, com um arranjo introdutório a remeter para os filmes de suspense. A Casa da Música pôde não se ter levantado para dançar, mas compensou na cantoria e nos aplausos demorados com que obrigou Aloe Blacc a regressar ao palco por duas vezes. Os bónus do alinhamento deram-se pelo nome de Billy Jean, numa adaptação surpreendente, a revelar um poder de interpretação que fica para além da voz, e Loving You Is Killing Me, onde as palmas trapalhonas da primeira vez foram substituídas por dedos a estalar, num acompanhamento mais subtil e adequado.

Aloe Blacc e o quinteto The Grand Strings alguma vez teriam de abandonar definitivamente o palco, e assim foi. As propostas do Clubbing, no entanto, não se ficaram por aqui. Sob o repto funk e soul lançado pelo primeiro concerto, a Sala Suggia recebeu ainda a atuação dos Funkalitious. No restaurante, Marcos Tavares e Jazzanova, em modo dj set, animaram as hostes.

Intro
Take Me Back
Hey Brother
Femme Fatale
Life So Hard
Loving You Is Killing Me
If I
Polititian
Momma Hold My Hand
I Need a Dollar

Billy Jean

Loving You Is Killing Me

Texto: Ariana Ferreira
Fotografias: Filipa Oliveira