“Dune – Duna” e as aventuras no planeta Arrakis estão de volta esta semana aos cinemas, cumprindo a tradição de falhar a data inicialmente anunciada: a primeira parte teve de sobreviver a uma pandemia, a segunda a uma greve dos atores de Hollywood que os impedia de fazer promoção aos filmes dos grandes estúdios.

O filme de ficção científica de 2021 teve um desfecho feliz: foi um sucesso de crítica e bilheteira (apesar do lançamento simultâneo na plataforma HBO Max na América do Norte), coroado com seis Óscares e a nomeação para Melhor Filme, com James Cameron a comparar o tom épico aos "O Senhor dos Anéis" de Peter Jackson e os trabalhos de David Lean (o realizador de "A Ponte do Rio Kwai", “Lawrence da Arábia” ou "Doutor Jivago").

Adivinha-se que a história se vai repetir com a "Parte Dois": as expectativas dos fãs têm vindo em crescendo nas últimas semanas, graças ao êxtase partilhado pelos primeiros espectadores das antestreias em Paris e Londres, e as reações praticamente unânimes dos críticos (um score positivo positivo superior a 95% no Rotten Tomatoes).

O SAPO Mag já viu o filme e pode assegurar que se trata de uma "experiência imersiva": sem o constrangimento de ter de estabelecer um universo e as personagens, o realizador Denis Villeneuve juntou a mesma equipa atrás e à frente das câmaras para uma "Parte Dois" de grande ambição que intensifica a ação e surpreende ainda mais pela expansão emocional, intimista e até filosófica das personagens, assim como pela complexidade da épica história de contornos místicos criada nos livros de Frank Herbert.

Com mais uma poderosa banda sonora de Hans Zimmer, tecnicamente irrepreensível e visualmente ainda mais espetacular (atenção à notável fotografia de Greig Fraser), são fortíssimos os regressos de Timothée Chalamet (Paul Atreides), Zendaya (Chani), Rebecca Ferguson (Ladu Jessica) e Javier Bardem (Stilgar), bem apoiados por Josh Brolin (Gurney Halleck), Stellan Skarsgård (o barão Vladimir Harkonnen), Dave Bautista (Glossu Rabban) e Charlotte Rampling (Gaius Helen Mohiam) e com os reforços notáveis de Austin Butler (como Feyd-Rautha Harkonnen, o sobrinho do barão), Florence Pugh (Princesa Irulan), Christopher Walken (Imperador), Léa Seydoux (Margot Fenring) e mais algumas surpresas.

Foram já feitas comparações com "O Cavaleiro das Trevas" (2008) e talvez o elogio mais mediático tenha vindo precisamente do seu realizador, Christopher Nolan, estatuto reforçado com o prestígio de "Oppenheimer", que evocou "O Império Contra-Ataca", o seu "Star Wars" preferido, dizendo "é uma expansão incrivelmente emocionante" de tudo o que foi introduzido no filme anterior, que tinha descrito como "uma das uniões mais perfeitas de fotografia de ação ao vivo e efeitos visuais gerados por computador que já vi".

Hollywood prevê que será o primeiro grande filme de 2024 e os cinemas agradecem: passada a grande desilusão com o adiamento da estreia prevista para novembro do ano passado, agora o consenso é que a nova data ainda é melhor depois de dois meses com salas muito vazias que despertaram um grande apetite por um "blockbuster" a sério (190 milhões de dólares) com algumas das grandes jovens estrelas da atualidade, que deve ser visto no maior ecrã possível.

Com a luz verde oficial do estúdio para a "Parte Dois" a chegar a 26 de outubro de 2021, menos de 48 horas após a estreia de "Dune - Duna" na América do Norte, não houve tempo a perder. Felizmente, já estava feito muito do trabalho do design, elenco, locais de rodagem e argumento. De facto, o percurso criativo não chegou a ser interrompido.

"Devo dizer que nunca saí de Arrakis. Quer dizer, fomos diretamente para a pré-produção depois da primeira parte estar concluída, para podermos fazer o filme. Porque não é uma sequela, é realmente uma segunda parte e [era necessário] para a trazer ao mundo o mais rapidamente possível", contou Villeneuve na conferência de imprensa virtual onde esteve presente o SAPO Mag.

E acrescenta: "Como realizador, penso, e é comum a todos os realizadores, que quando olhamos para o nosso último filme, só vemos os erros que cometemos. Por isso, foi a primeira vez que tive a oportunidade de voltar atrás e revisitar um mundo, mas tendo uma segunda oportunidade de o fazer melhor. E essa ambição de garantir que, desta vez, será bom".

A "Parte Dois" do que é, na verdade, um gigantesco filme "Dune – Duna" que adapta o primeiro livro, retoma literalmente onde parou a jornada mística de Paul Atreides ao lado de Chani, o contacto pela primeira vez com uma cultura diferente representada pelo povo Fremen durante a fuga pela segurança no inóspito deserto, revelando gradualmente a impressionante evolução de Timothée Chalamet da inocência para a personalidade mais sombria e complicada de um líder que se quer vingar dos conspiradores poderosos que traíram e destruíram a sua família e o seu povo.

"No primeiro filme, Paul é uma espécie de jovem privilegiado, filho de um duque, literalmente atrás das muralhas reais. E passa por uma tragédia pessoal e, obviamente, tem de crescer com isso. Mas neste filme, vemos Paul Atreides tornar-se no homem que está destinado a ser de uma forma que ele não quer ser. Ultrapassando o seu medo do amor, o seu medo de saber qual é o seu lugar entre os Fremen", conta o ator de 28 anos.

"O primeiro filme foi um pouco a lançar as bases para este e muita ação. Muito épico, como diz o Denis. E para o Paul, trata-se de um crescimento contínuo", notou sobre a sua personagem, assombrada por visões de um futuro apocalíptico e que, apoiada pela mãe, usará a favor da sua estratégica de vingança a profecia de ser o "Escolhido", mesmo que dela duvide.

Personagem essencialmente secundária na "parte um", também Chani passa por uma grande evolução, dividindo o protagonismo da história com Paul.

Zendaya não esconde que a adora "porque tem tanto fogo dentro de si e tanta paixão. É uma pessoa tão apaixonada. Acho que a força pode ser manifestada de muitas maneiras diferentes. E a dela é através do coração, e tudo o que ela faz é, acho eu, impulsionado pelo seu coração e pelas pessoas e pela proteção feroz das pessoas que ama e com quem se preocupa. Por isso, se há alguma coisa que a leva a compreender o seu coração é o facto de saber que ela, de muitas formas, leva sempre as coisas de volta a esse sentimento humano".

Pelo amor e crença que acaba por encontrar em Paul, que por sua vez tira daí força e poder, Chani torna-se o centro emocional de uma história onde não faltará dor.

"De certa forma, acho que o que é interessante é que ela não acredita no Paul como toda a gente acredita", nota a atriz de 27 anos.

"E isso torna mais difícil para ela abrir-se ao conceito de amar, especialmente a ele. Acho que vem, provavelmente, da pior maneira que poderia ter imaginado. Por isso, é muito difícil para ela conceber que possa haver algo que possa permitir ou alguém que possa deixar entrar, independentemente da dor que ele representa, penso eu, para si. Por isso, quando ela começa a deixá-lo entrar na sua vida e no seu mundo, é muito mais... pesado e forte e tem mais significado [...]. Ela acredita na pessoa que encontra, não no Messias, não na profecia, mas na pessoa.

Quem também se transforma de forma assustadora, literal e figurativamente, é Rebecca Ferguson como Lady Jessica, que terá uma nova posição entre os Fremen e não hesitará em entrar por territórios mais ambíguos para que o filho 'cumpra' a profecia de se tornar o "messiânico" Muad’Dib e assim reforçar o seu poder, e, por inerência, o dela.

Qual é a motivação é uma "pergunta muito complicada", diz a atriz sueca.

E desenvolve: "Todos nós, creio, somos seres humanos bastante egoístas. E adoro a parte da Lady Jessica de ter uma crença, mas podemos usar a palavra fundamentalista. Acho que temos medo da palavra. Levamos a nossa crença a um ponto em que prejudica outras pessoas, mas também podemos ser fundamentalistas de uma forma espiritual e amorosa. Acho que ela acredita tão plenamente no que criou que nada se pode meter no caminho. Será que acredita plenamente no que está a promover? Não sei. E isso parece-me interessante. E os efeitos do que ela faz são catárticos numa história de amor. Mas é no contexto de algo mais alargado. [...] Existe uma história sem fim na trajetória de qualquer uma destas personagens".

Numa história tão intensa, a entrada da Princesa Urlan destaca-se por ser calma e misteriosa, mas onde não se duvida da força da nova personagem interpretada por Florence Pugh.

"Uma das coisas mais óbvias sobre esta história é que há muito barulho noutros lugares. Há tanta raiva, paixão, amor e volume. E penso que vindo das pessoas mais poderosas do mundo. Não seria muito interessante inverter completamente essa situação e ter alguém completamente calma, imóvel e pensativa e, mesmo só por isso, mostrar uma diferença tão grande em termos de riqueza e de educação?", destaca a atriz.

E nota que adorou a ideia de poder tudo usar isso na sua personagem: "Tenho dito ao longo de toda esta digressão de imprensa que nunca tinha interpretado ninguém como ela. Normalmente, estou sempre a saltar para a mulher muito afirmativa, confiante e agressiva no ecrã. E acho que esta é definitivamente uma mudança, mas igualmente poderosa e forte".

Como foi revelado nos trailers, quem não morreu e regressa do primeiro filme é Josh Brolin como Gurney Halleck, o antigo líder militar da Casa Atreides e treinador e mentor de Paul, que agora se torna um apoio e testemunha da sua transformação.

"Especialmente quando se reencontram, há uma alegria incrível que sai da raiva, da frustração e do desgosto que sentimos em Gurney, porque na sua cabeça ele acha que perdeu toda a gente. E na sua cabeça perdeu mesmo. E há uma espécie de luz grande e vulnerável que se acende nele quando vê novamente o Paul e percebe que ele sobreviveu. E a seguir, é testemunhar não só ele a tornar-se um homem e a amadurecer, mas a tornar-se o Tal e a ultrapassar tudo o que Gurney poderia imaginar no seu estado selvagem, na sua animalidade", diz o ator, que nota que experimentou exatamente o mesmo de certa forma com Chalamet, recordando que tinha apenas 23 anos durante a rodagem do primeiro filme.

Já Austin Butler passou por três horas de caracterização por dia e muita transformação física para surgir praticamente irreconhecível como o assustador Feyd-Rautha, o sobrinho e herdeiro do barão monstruoso interpretado por Stellan Skarsgård, decisivo na expansão da importância do clã Harkonnen na história.

Liberto da sombra de Elvis Presley no filme de Baz Luhrmann, o ator de 32 anos diz que o seu maior entusiasmo foi "explorar a minha própria sombra", notando que Paul e Feyd "são as duas faces da mesma moeda".

"A sombra, a escuridão, o desafio, o facto de ser tão diferente de tudo o que já tinha feito. Há muito espaço para representar porque é muito diferente de mim e das coisas que me permitiria fazer no dia a dia. E depois, poder atuar neste mundo com todos estes atores fantásticos e com o Denis a liderar, foi pura alegria", disse.

Percebe-se que a personagem psicótica se diverte com a natureza aterradora do que é, por vezes apenas com um olhar ou relance.

Butler explica que "há algo de muito estimulante em interpretar alguém que pensa oito passos à frente e que está a jogar xadrez e que tem uma visão tão intensa e forte daquilo em que acredita e que é inabalável. E é muito estimulante interpretar essa pessoa, mesmo que o vejamos de fora como alguém que não é tão alegre para estar por perto".

Rodado em Budapeste (Hungria), Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) e Jordânia e Itália, Denis Villeneuve nota que ele e a sua equipa se certificaram que criavam "o máximo possível do mundo fisicamente".

"Sou absolutamente inspirado pela realidade. Venho do mundo dos documentários, por isso [...] não poderia ter criado este mundo num ambiente virtual. Adoro a tangibilidade. [...] Despertou tanta inspiração no set. Penso que ajudou muitos dos atores a concentrarem-se na sua viagem interior em vez de terem de imaginar o que está à sua volta. E trabalho com uma das melhores equipas da atualidade para criar este mundo", diz.

Parcialmente revelada nos trailers, uma das cenas mais importantes, espetaculares e imaginativas do novo filme é a que mostra Paul a montar os gigantes vermes da areia, uma fascinante prova para ser aceite pelos Fremen que é abordada nos livros sem descrever realmente como é que acontece.

"É, de longe, a sequência mais complexa que já fiz. É um trabalho de equipa porque exigiu muito tempo. Não queria fazer concessões. Estava à procura de uma visceralidade muito específica, uma sensação de perigo, velocidade... Queria que a minha mãe acreditasse absolutamente que o Paul iria montar o verme. E por isso também criei a técnica. Não é explicada no livro. Sabemos que os vermes são atraídas pelo ritmo, pelo bater. Mas depois disso, tive de imaginar como é que o Paul vai fazer isso e como é que vai ser bom e, ao mesmo tempo, um pouco desajeitado da primeira vez", revela.

E conta que "foi preciso encontrar esse equilíbrio, que parecesse suficientemente épico, mas realmente perigoso. Demorámos meses a conceber a pesquisa e o desenvolvimento e, finalmente, a finalizar essa sequência no ecrã".

Também Chalamet diz que "foi a sequência mais complicada em que já participei como ator. E acho que demorou cerca de três meses a filmar. E havia uma unidade inteira dedicada a essa sequência".

E esclarece o processo: "Trabalhei com o Roger Yuan, que é aqui o coordenador de duplos e também ator. Faz uma luta fantástica com o Feyd-Rautha. Trabalhou na técnica de montar o verme da areia. E sem revelar muito 'do que se passa na cozinha', como diz o Denis, havia areia a soprar na cara e uma plataforma gigantesca e foi uma experiência tão violenta como aparece no filme".

Com um mundo tão expandido de "Dune" e a pergunta do que espera que mais entusiasme o público desta "parte dois", o realizador recorda que "a primeira parte era mais contemplativa. E estávamos a seguir um rapaz que foi vítima dos acontecimentos. E Paul Atrides tentou sobreviver. E com a sua mãe Jessica, eles são sobreviventes".

"No segundo filme, ele toma decisões, ambas as personagens. É um filme que queria mais visceral, mais musculado. E, definitivamente, queria fazer um filme mais emocional. Espero que as pessoas recebam essa emoção", responde.

Josh Brolin vê outra coisa: "Este é, obviamente, um filme sobre a trajetória [emocional] de Denis Villeneuve".

De facto, o realizador já manifestou o desejo de a continuar com a adaptação só de mais um livro, que a anfitriã recordou na despedida: "Falamos daqui a três anos e vemo-nos aqui para 'O Messias de Dune'".

TRAILER LEGENDADO "Dune – Duna: Parte Dois".