A propósito da estreia do filme «Guerra ou Paz», sobre os que se exilaram durante a guerra colonial,
Rui Simões falou sobre a sua própria condição de refratário, do regresso a Portugal em 1974 e de como foi «empurrado para o documentário», de onde nunca mais saiu. «Guerra ou Paz», a estrear a 4 de abril, reúne testemunhos de desertores e refratários da guerra colonial e Rui Simões, hoje com 70 anos, decidiu também dar a cara sobre este assunto.

«Com 22 anos fugi, fui-me embora, pedi asilo na Bélgica à ONU e fiquei durante dez anos com passaporte de refugiado. Isto diz-me respeito», afirmou Rui Simões. Nascido em Lisboa em 1944, Rui Simões conta que fez ballet, teve uma pequena agência de publicidade e foi agente dos Sheiks antes de sair do país, de carro e com um «passaporte semi falso», rumo a Paris e depois Bruxelas. «Estava no conforto da minha juventude», disse.

Até 1974, e já com dois filhos, Rui Simões estudou História, cinema e televisão e embrenhou-se ideologicamente com o que se passava na Bélgica e em França, até porque já tinha desistido da ideia de regressar a Portugal.

Quando aconteceu a revolução de Abril, recorda-se de estar em casa a ver na televisão imagens a preto e branco de um país que não lhe parecia o seu – «quando se está muito tempo fora até das janelas nos esquecemos» -, mas voltou a Lisboa assim que pode, em maio de 1974.

«Lembro-me que senti um país muito escuro (…), achei tudo muito triste. O que achei mais é que as pessoas não estavam a perceber nada do que se estava a passar. Percebiam a liberdade, mas não percebiam o que é que era», recordou. Foi por isso que fez o documentário «Deus, Pátria, Autoridade», o seu primeiro filme, em 1975, e que «correspondia ao que as pessoas queriam ouvir, para perceber o que era isto, o que era a sociedade, como funcionou o fascismo».

Depois fez os documentários «São Pedro da Cova» (1975) e «Bom Povo Português» (1980) e desde então praticamente só faz documentário. Fundou a produtora de cinema e televisão Real Ficção, fez filmes institucionais, para peças de teatro e dança, para grandes eventos - como a Expo’98 -, mas os projetos cinematográficos foram-se acumulando na gaveta por falta de apoio financeiro.

«A partir do momento em que faço
«Bom Povo Português» estou 22 anos sem trabalhar. Durante esse tempo não existo. Só volto a existir em 2002, quando consigo ganhar um primeiro concurso», lamenta.

Rui Simões considera que quem atribui os apoios financeiros é «ignorante» e apesar de dizer que não encontra razões para sucessivos chumbos a projetos seus, fala de censura e destruição. «O nosso país tem esse lado ainda muito medieval, castrador». Na última década, Rui Simões fez, por exemplo, o documentário
«Ruas da Amargura» (2009), sobre sem-abrigos, e
«Ilha da Cova da Moura» (2011), sobre este bairro da Amadora.

Desde cedo lhe foi conotada a ideia de militância na apropriação do cinema. Rui Simões argumenta: «Sou militante de causas, não sou militante do exército. A saúde mental, a pobreza, estas são as minhas causas. As minhas causas dignificam qualquer pessoa, qualquer ser humano. (…) Não sou o tipo que faz filmes só porque dá dinheiro e dá gozo. Tem que haver uma razão para fazer».

Com 70 anos acabados de fazer, Rui Simões tem vários filmes em carteira como produtor e também como realizador, sempre no documentário, porque diz estar quase a desistir da ficção, ao fim de várias recusas de financiamento.

Na verdade, «faço no documentário as minhas ficções. Acabam por ter um aval de realidade, mas são manipulações, nada é verdadeiro e autêntico, é aquilo que eu quero que seja. O cinema é uma manipulação».