
"Quando a República Islâmica aprisiona um artista, (...) dá-lhe material, ideias", garantiu na quarta-feira o cineasta dissidente iraniano Jafar Panahi, um dos favoritos à Palma de Ouro do Festival de Cannes, dizendo que as autoridades devem "arcar com as consequências".
"Para mim, é absurdo e surreal!", disse durante uma conferência de imprensa após ter estreado o seu novo filme "It Was Just an Accident" (título internacional) no dia anterior — uma crítica direta ao poder — que pôde apresentar pessoalmente no festival pela primeira vez em 15 anos.
A longa-metragem baseia-se em depoimentos de presos políticos que passaram décadas atrás das grades no Irão e com quem Panahi, preso duas vezes (86 dias em 2010 e quase sete meses entre 2022 e 2023), partilhou uma cela coletiva durante algum tempo.
"Como se pode colocar um artista na prisão e não perceber o que isso significa?", diz.
"Quando os colocam na prisão, facilitam a vida deles, dão material, ideias, abrem-lhes um mundo totalmente novo".

"Não fomos nós que fizemos isto, foi a República Islâmica", afirmou o cineasta de 64 anos, celebrado por títulos como "O Círculo" (Leão de Ouro de Veneza em 2000), "Táxi de Jafar Panahi" (Urso de Ouro em Berlim em 2015), "3 Rostos" (Melhor Argumento em Cannes em 2018) e "Ursos Não Há" (Prémio Especial do Júri em Veneza em 2022).
"Quando a República Islâmica aprisiona um artista, ela deve arcar com as consequências. Com as atuais possibilidades tecnológicas, nenhum poder pode impedir um artista de trabalhar", acrescentou, observando que o seu co-argumentista detido, Mehdi Mahmoudian, "sairá da prisão com dezenas de ideias de argumento".
Panahi, que filmou sem autorização, explicou que a situação ficou "mais complicada" após o festival anunciar em abril que seu filme competiria pela Palma de Ouro. Vários membros da sua equipa foram presos.
Apesar da pressão, "nós é que tínhamos vantagem porque o filme existia. Eles não podiam fazer mais nada", disse.
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