“As Bestas”, de Rodrigo Sorogoyen, confirmou o seu grande favoritismo e foi eleito o Melhor Filme de 2022 na 37.ª cerimónia dos Goya, os prémios espanhóis de cinema, entregues no sábado à noite em Sevilha.

Partindo com 17 nomeações, recebeu mais oito prémios da Academia espanhola de cinema: Realização, Ator (Denis Ménochet), Ator Secundário (Luis Zahera), Argumento Original, Fotografia, Montagem, Banda Sonora e Som.

Com estreia nas salas portuguesas anunciada para 23 de março, o "thriller" inspira-se no caso verídico conhecido como o Crime de Santaolla, seguindo um casal de franceses (papéis de Ménochet e Marina Foïs) que se muda para uma aldeia na Galiza à procura de um novo recomeço, uma aproximação à natureza e uma desaceleração do ritmo de vida, mas cuja chegada vai inflamar dois irmãos ao ponto de confrontos hostis e violência chocante até chegar a um ponto de não retorno.

Na categoria de Melhor Filme de Animação encontrava-se a coprodução portuguesa “Os Demónios do meu Avô”, de Nuno Beato, com história escrita por Possidónio Cachapa e Cristina Pinheiro, em 'stop-motion' com animação de volumes e 2D, que perdeu para "Unicorn Wars", de Alberto Vázquez.

Os Goyas são entregues anualmente para condecorar os melhores profissionais em cada uma das diversas especialidades do setor. O troféu consiste num busto de Francisco Goya, considerado o mais importante artista espanhol do final do século XVIII e começo do século XIX, feito em bronze pelo escultor José Luis Fernández.

Com três horas e 18 minutos e apresentada pelos atores Antonio de la Torre e Clara Lago, a cerimónia com poucas surpresas entregou prémios em 28 categorias (que passaram de quatro a cinco nomeados cada) e mais dois de carreira, celebrando um ano que o setor e a crítica especializada coincidiram ter sido memorável para a Sétima Arte em Espanha.

No entanto, os cinco candidatos para Melhor Filme ("As Bestas", "Modelo 77", "Alcarrás", "Cinco Lobitos" e "La Maternal") apenas representaram 2,45% dos bilhetes vendidos para um total de 82,7 milhões de euros arrecadados pelas bilheteiras em 2022, valor que se aproximou dos números pré-pandemia, de acordo com os dados do Instituto de Artes Cinematográficas e Audiovisuais e a consultora ComScore (em contraste, o quinteto de 2021, num mercado ainda muito afetado pela crise, chegara aos 5,4%).

Ou seja, apesar dos cinco nomeados terem sido responsáveis por 10,88% dos bilhetes vendidos para ver cinema espanhol e dos elogios consensuais à elevada qualidade dos nomeados, mais de 97 em cada 100 espectadores espanhóis preferiram outras "salas", a começar pelas que exibiam "Avatar: O Caminho da Água" ou o terceiro capítulo da saga cómica "Padre no hay más que uno", dirigido por Santiago Segura, que teve mais público do que o conjunto dos candidatos a Melhor Filme.

Ao contrário do que acontecerá com "As Bestas", muitos dos filmes premiados não deverão chegar aos cinemas portugueses.

O realizador Alberto Rodríguez, que ganhou dez prémios Goya com "Terras Pantanosas", de 2014, viu "Modelo 77" ser o segundo filme mais premiado da noite: o "thriller", que se passa no interior de uma conhecida prisão de Barcelona nos anos 1970 não afetada pelas mudanças em Espanha após a morte do ditador Franco, ganhou cinco prémios técnicos em 16 nomeações, para Direção Artística, Direção de Produção, Guarda-Roupa, Caracterização e Efeitos Especiais.

"Modelo 77"

Para "Cinco Lobitos", uma história sobre a maternidade que tinha 11 nomeações, houve três prémios que eram esperados: estreia na realização para Alauda Ruiz de Azúa, Melhor Atriz para Laia Costa e Atriz Secundária para Ramón Barea.

Outro nomeado para Melhor Filme, "La Maternal", de Pilar Palomero, que tinha três nomeações, ficou sem prémios, mas a grande surpresa foi isso também ter acontecido a "Alcarrás", que tinha 11: o drama de Carla Simón com atores não profissionais recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim e foi o candidato de Espanha a uma nomeação ao Óscar de Melhor Filme Internacional.

Os prémios revelação para os atores foram para Laura Galán por "Cerdita" e Telmo Irureta por "La Consagración de la Primavera".

Argumento Adaptado foi para "Un año, una noche" e outros destaques da noite foram os prémios de Melhor Filme Ibero-americano para "Argentina, 1985", de Santiago Mitre, um favorito indiscutível que também está na corrida aos Óscares, e Melhor Filme Europeu para "A Pior Pessoa do Mundo" (Noruega), de Joachim Trier.

A atriz francesa Juliette Binoche recebeu o Goya internacional em homenagem à sua "extraordinária trajetória que a coloca como um dos nomes mais admirados e reconhecidos do cinema europeu e internacional", que começou o seu discurso por dizer que "este Goya não é para mim, é para o desejo ardente que há em mim, para o fogo que me habita, mas que não me pertence, é essa força que brota. Sou apenas um instrumento desse desejo ardente, uma ferramenta, uma voz, um corpo que caminha na ponta dos pés, que olha para o precipício. Esse desejo ardente que não posso guardar para mim, devo partilhar”.

"Não basta ser uma atriz feliz, é preciso dar felicidade. Não basta ser honesto perante a câmara, mas transmitir essa honestidade através dela", acrescentou, antes de "homenagear um realizador que comoveu o meu olhar de criança e aquela música que me acompanha desde então", começando a cantarolar "Porque te vas", o famoso tema principal do filme "Cria Corvos" (1976), de Carlos Saura.

Efetivamente, a cerimónia dos Goya acabou por ser convertida principalmente numa grande homenagem póstuma ao realizador, que faleceu na sexta-feira aos 91 anos e deveria ter recebido o Goya de homenagem pela carreira: com títulos como "A Caça" e "Ai, Carmela!", era considerado um dos quatro grandes cineastas do cinema espanhol, ao lado de Luis Buñuel, Luis García Berlanga e Pedro Almodóvar.

Num momento descrito pela organização como um dos mais emocionantes na história dos Goya, a atriz Carmen Maura (a protagonista de "Ai, Carmela!") entregou o prémio a dois dos seus sete filhos, e à última companheira, Eulalia Ramón, que leu uma mensagem póstuma do cineasta, que pediu desculpa por não poder estar presente: "Tive muita sorte por rodar mais de 50 filmes. Tive seis filhos, uma filha, uma dúzia de netos e uma bisneta. Sinto-me muito afortunado. Obrigado a todos os grandes atores que colaboraram comigo, muitos deles desaparecidos. Ficarei satisfeito se tudo o que fiz servir de inspiração para a brilhante geração atual de cineastas. A imaginação é mais rápida que a velocidade da luz. Vejo-me como uma estrela cadente no meio do cosmos".