Reichenbach entra em cena na segunda metade dos anos 1960 – juntamente com outros cineastas que surgiam de um questionamento do famoso Cinema Novo que havia marcado a produção autoral no início da década. Pelos anos 1970 adentro, o realizador circulou pela “exploitation” da década (cinema popular que levaria de críticos sisudos o rótulo de “pornochanchada”), pelo cinema de género e pelo realismo social – uma obra que tanto circulava entre o grande público como propunha profundos questionamentos sobre a sociedade em geral.

O SAPO Mag conversou com a programadora do DocLisboa e curadora da retrospetiva, Joana de Sousa, sobre essa enorme oportunidade de se conhecer um rico cinema brasileiro praticamente desconhecido fora do país.

O retrato da realidade

Uma das questões que surge a meio da entrevista diz respeito ao formato – ou seja, se para o DocLisboa não existe nenhum problema conceitual em exibir uma retrospetiva de um autor que trabalhou essencialmente dentro da ficção.

“Não”, diz a curadora, "Reichenbach usa as ferramentas de que precisa para retratar a realidade. Para nós não importa se a obra fica inserida dentro da “caixa” documentário, mas conta o facto de ele usar os artifícios que quer para retratar a realidade contemporânea”.

Sangue Corsário

Um dos mais famosos momentos do cinema brasileiro de autor, o Cinema Novo, era essencialmente intelectual e, muitas vezes, experimental. Daí a proximidade com o grande público não ser das maiores – realidade que uma nova geração de cineastas queria mudar no final dos anos 1960. Por outras palavras, a revolução política tinha de ser incentivada a partir de um cinema popular.

Conforme reforça a programadora, essa ideia marcaria praticamente toda a obra de Reichenbach, mesmo quando, a partir dos anos 1990, produz uma obra já afastada da “exploitation” da década de 1970. “Mesmo dentro dos filmes mais recentes, quando ele já não usa a linguagem da ‘pornochanchada’, há essa preocupação. Em ‘Falsa Loira’, por exemplo, há uma cena de ‘karaoke’. Para ele não havia diferença entre linguagem popular e erudita, elas eram complementares e podiam, inclusive, exponenciar-se”.

A representação da mulher

E como situar essa obra dentro das temáticas atuais, onde existe uma forte vigilância sobre a forma como a mulher, e o corpo feminino, é representado nos filmes? “Uma das grandes surpresas em explorar a obra de Reichenbach”, diz a programadora, "foi deparar-me com a complexidade da representação da sexualidade. Eu nunca tinha visto em filmes que não são abertamente feministas e ativistas, um cineasta homem representar o corpo feminino de forma tão real, um corpo que sangra, que é frágil e forte ao mesmo tempo”, diz.

Ao mesmo tempo, a nudez e a sexualidade não estão marcados por um caráter de objetificação. “Os filmes podem ter imensas mulheres nuas, muito sexo, mas não são misóginos, simplistas, não há uma relação hierárquica do corpo da mulher em relação ao do homem, elas não são instrumentos de nada”.

Extremos do Prazer

O cinema brasileiro não é conhecido fora do país. No caso do cinema de autor, Glauber Rocha é praticamente a única referência, complementado no âmbito popular com filmes como “Tropa de Elite” ou “Cidade de Deus”. Daí a enorme importância desta mostra ao público que gosta de descobrir novas cinematografias.

Conforme relata Joana de Sousa, a ideia surgiu a partir de uma programação de filmes do “cinema marginal” na Cinemateca, em 2012. Em parceria com a instituição, foi se construindo a ideia de uma mostra integral do trabalho de Reichenbach, que nunca teve uma retrospetiva fora do país. Mesmo no Brasil, só em 2006 tal aconteceu no Rio de Janeiro. O investimento foi enorme para conseguir trazer as cópias do país de origem onde, por vezes, sobrevivem em cópias únicas.

“Tínhamos uma grande vontade de mostrar esses filmes. Nós normalmente exibimos muito cinema brasileiro, estamos conscientes da sua riqueza e diversidade e era importante buscar o contexto histórico – especialmente de um realizador que influenciou as novas gerações”, observa. Nesta edição, para citar alguns, pelo menos mais duas obras recentes dialogam com a retrospetiva – “Tempo Ruy”, que aborda um dos ícones do Cinema Novo, Ruy Guerra, e “11 Perguntas para Júlio Calasso”, sobre o ator e produtor.

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