Logo à partida, um dos pontos a favor de "Mufasa: O Rei Leão" face a outros filmes da Disney com animação fotorrealista surgidos nos últimos anos é o de não ser um remake. A prequela do clássico de Roger Allers e Rob Minkoff estreado em 1994 pode estar muitos degraus abaixo da saga original que narra a jornada de Simba, mas pelo menos não se limita a decalcar um passado glorioso - e inevitavelmente irrepetível. A nova aventura, dirigida por Barry Jenkins (realizador do oscarizado "Moonlight"), propõe um recuo às origens de Mufasa, pai do protagonista do primeiro filme, da infância à entrada na idade adulta, juntando personagens já conhecidas a recém-chegadas a este universo.

Kiros, antagonista implacável e em busca de vingança, está entre as novidades de "Mufasa: O Rei Leão", estreado em dezembro e ainda em cartaz nas salas nacionais. "O facto de ser um leão albino significa que não tem boas probabilidades no reino animal. Por isso, foi expulso do seu bando desde que era muito pequeno. Por isso, é um sobrevivente, e um sobrevivente com o coração cheio de amargura. E põe as mãos no seu próprio bando, também de albinos, que são criaturas magoadas e que querem uma pequena fatia do bolo. Mas neste caso, porque o seu coração está tão negro nesta altura, ele prefere ficar com o bolo inteiro", descreve Mads Mikkelsen sobre a personagem à qual dá voz.

Kiros
Kiros Kiros

O ator dinamarquês mais internacional do momento acredita ter sido desafiado para o papel pelo vasto histórico de vilões que marca o seu currículo, de "007 Casino Royale" (2006) a "Indiana Jones e o Marcador do Destino" (2023), ainda que o seu percurso não se limite a esse perfil - como o confirmam interpretações notáveis e premiadas em "A Caça" (2012) ou "Mais uma Rodada" (2020), dramas do realizador conterrâneo Thomas Vinterberg. "Acho que os vilões são um pouco mais matizados hoje em dia. Gostamos que o mau da fita tenha algo reconhecível. Nem sempre está no guião, mas se estiver, querem que seja uma marca registada sólida. Acho que talvez pensem que eu, até certo ponto, trago isso para a mesa", explica.

Desta vez, o vilão tem a particularidade de ser um leão animado, mas Mikkelsen confessa que encarou esta proposta como qualquer outra. "Quando há uma história que considero interessante ou uma personagem ou uma visão de um realizador, é aí que eles têm a minha atenção e começamos a falar sobre o assunto, que depois pode crescer a partir daí. Portanto, tem sido sempre a mesma coisa. Foi fácil", conta.

Mufasa: O Rei Leão

"Como atores, temos a sorte de podermos trabalhar com diferentes géneros, diferentes tipos de trabalho. Quando faço um pequeno drama na Dinamarca, isso é atuar. Quando faço um grande filme de aventuras em Hollywood, também é representação. São apenas géneros diferentes, orçamentos diferentes e abordagens diferentes. Mas vêm do mesmo sítio: da representação", garante, sem deixar de assinalar a singularidade da experiência. "Cresci com a Disney. Toda a gente cresceu com a Disney, com filmes de animação, até os nossos pais cresceram. Por isso, sempre esteve presente. Mas fazer parte dessa família a partir do zero, onde se começa a criar desde o início, é uma situação única", diz.

Uma interpretação na qual "só resta a voz"

O método de trabalho da "situação única" de "Mufasa: O Rei Leão" foi distinto daquele a que Mikkelsen está habituado. "Quando atuamos em frente à câmara, temos mais algumas ferramentas disponíveis, que são o nosso corpo, o nosso rosto e a nossa presença. Por isso, só nos resta a voz. Por outro lado, recebemos um presente gratuito. Estão a dar vida a um animal que é tão majestoso que eu nunca seria capaz de o fazer. Portanto, há outra coisa a ajudar-me do outro lado", assinala.

86. O Rei Leão (Roger Allers e Rob Minkoff, 1994)
86. O Rei Leão (Roger Allers e Rob Minkoff, 1994) O Rei Leão

"Tudo foi mudando aos poucos", recorda quando questionado pelo SAPO Mag sobre a sua aproximação a Kiros. "Começámos por ter um desenho, nada animado, e a partir daí uma cena, e experimentámos coisas diferentes para que o Barry [Jenkins] tivesse uma boa quantidade de coisas para ir para casa e trabalhar. Depois, quando o víamos da próxima vez, já tinham animado a cena até certo ponto, e então fazíamos outra tentativa. E quanto mais animadas as falas se tornavam, mais eu conseguia ver como era a do Kiros. Acho que talvez o tom de voz tenha ficado mais baixo, talvez porque ele era maior e mais forte do que eu pensava. Mudou gradualmente, mas nada de muito abrupto".

Embora esta seja a sua primeira experiência profissional num filme de animação da Disney, o ator reforça que a ligação pessoal aos estúdios já é antiga. Mikkelsen viu "muitos filmes, todos os Natais", em família desde a infância, e manteve a experiência já em adulto. Como quando viu "O Rei Leão" quando já era pai. "Não me lembro exatamente do primeiro dia, mas lembro-me que o vi com a minha filha quando ela já tinha idade suficiente, e vimo-lo muitas, muitas, muitas vezes. É um clássico por boas razões. É uma história maior do que a vida. É uma história shakespeariana", elogia.

E quanto a "Mufasa: O Rei Leão"? "Também é uma história de Shakespeare, mas não está a tentar copiar o primeiro filme", defende o dinamarquês. "Está a tentar contar-nos e mostrar-nos como Mufasa se tornou Mufasa e como Scar se tornou Scar. E acho que isso é uma bela história sobre o amor, o ódio e o ciúme, o que acontece aos seres humanos quando se põe o pé errado fora da cama".

TRAILER DE "MUFASA: O REI LEÃO":