É talvez o caso mais emblemático de um filme que não foi um sucesso significativo no cinema mas que foi depois recuperado na memória colectiva pela exibição televisiva, que no EUA se tornou uma tradição anual na época do Natal. “O Feiticeiro de Oz”, estreado a 25 de agosto de 1939, foi um filme de tal maneira caro para a época que, mesmo não tendo corrido especialmente mal nas bilheteiras, só começou a fazer lucro quando foi reposto em cinema 10 anos depois.
O filme teve, aliás, um caminho tão tortuoso até chegar às telas de cinema como o que teve para a seguir a isso se tornar um sucesso. “O Feiticeiro de Oz” adapta o clássico da literatura juvenil de L. Frank Baum editado em 1900 sobre a menina do Kansas que é sugada com o seu cãozinho Toto por um ciclone e vai parar à terra mágica de Oz.
Aí segue pela estrada de tijolos amarelos em busca do Feiticeiro de Oz para lhe pedir ajuda para regressar a casa, lado a lado com o Espantalho que vai pedir um cérebro, o Homem de Lata que quer um coração e o Leão que quer coragem.
O filme foi produzido pela MGM, o estúdio mais sofisticado e de maior sucesso da época, e estrearia naquele que é considerado como o ano de ouro de Hollywood, em que mais obras-primas foram produzidas, nomeadamente o filme mais emblemático daquele período, “E Tudo o Vento Levou…”.
O ponto de partida do projeto foi o sucesso esmagador que “Branca de Neve e os Sete Anões”, produzido por Walt Disney, teve quando estreou em 1937. A MGM comprou os direitos de adaptação do romance de Baum no início de 1938 mas o argumento atravessou um processo complexo de escrita e reescrita que envolveu mais de 15 argumentistas até assumir a sua forma final.
Reviravoltas no elenco
A escolha do elenco foi ainda mais complexa, com Judy Garland a conquistar o papel quando o estúdio não conseguiu contratar as favoritas Shirley Temple e Deanna Durbin. Aos 16 anos, a jovem de baixa estatura (cerca de 1m51) e talento gigantesco, deixou ali a sua marca na eternidade, num papel que, para o bem e para o mal, lhe ficou sempre colado à pele.
O restante “cast” também estava carregado de profissionais do “vaudeville” e do cinema mas também sofreu várias reviravoltas: por exemplo, Gale Sondergaard foi contratada para interpretar a bruxa mas desistiu quando percebeu que ia ser caracterizada como velha e feia e foi substituída por Margaret Hamilton, e Buddy Ebsen, que treinou e gravou todas as cenas como Homem de Lata, desenvoleu uma alergia ao pó de alumínio que lhe compunha a caracterização, e teve de ser substituido por Jack Haley.
A MGM efectuou ainda uma busca por todo o país por anões que pudessem interpretar os diminutos Munchkins, levando mais de 100 para a rodagem, tornando-se lendárias as tropelias que os entusiasmados intérpretes provocaram então pelo estúdio, sendo a primeira vez que muitos deles viam outro anão.
Uma rodagem cheia de problemas
Atrás das câmaras as coisas também não foram fáceis. Os primeiros testes de rodagem foram feitos com Norman Taurog como realizador, substituído nos primeiros dias de rodagem por Richard Thorpe. George Cukor tentou redirecionar o filme quando os problemas começaram mas acabou por sair para tomar conta de outra produção conturbada (“E Tudo o Vento Levou”) e foi substituído por Victor Fleming, que rodaria a maior parte do filme. Este acabou por sair para substituir Cukor em “E Tudo o Vento Levou” e King Vidor terminou a fita.
A rodagem, cheia de efeitos visuais, também foi particularmente complexa, com a espantosa caracterização das personagens a dar também grandes problemas, nomeadamente a máscara de latex do Espantalho, que deixou marcas permanentes no rosto do seu ator, Buddy Ebsen. Hamilton, no papel do bruxa, também ficou com sérias queimaduras no rosto e nas mãos num acidente com fogo.
Apesar de tudo, o filme foi terminado na altura prevista e foi um verdadeiro sucesso de crítica, que se rendeu a todo o encanto de uma produção diferente de todas as outras. Desde a transição do tom sépia no mundo real para o poderoso Technicolor da terra de Oz, técnica então ainda pouco vista, à construção de um mundo fantástico e cheio de delírios visuais, sem esquecer a música inesquecível, nomeadamente “Over the Rainbow”, que esteve quase para ser cortada do filme e se tornou um dos maiores clássicos do século XX.
Um resultado inesperado
O filme, até pelo seu elevado custo de produção, não se tornou um sucesso na época mas deu nas vistas, sendo nomeado para cinco Óscares, nomeadamente o de Melhor Filme, mas aquele era o ano de “E Tudo o Vento Levou” por isso a fita acabou por arrebatar apenas os troféus para Melhor Banda Sonora Original e Melhor Canção (para “Over the Rainbow”), com Garland a conquistar um Óscar Honorário Juvenil.
Nos anos seguintes, o filme foi reposto várias vezes mas a sua mitificação junto dos americanos deu-se por via da televisão, onde foi exibido pela primeira vez em novembro de 1956, tornando-se depois um clássico da exibição natalícia, que o resto do mundo acompanhou.
Ao longo das décadas, o seu impacto e influência não pararam de crescer, a tal ponto que a venda um dos pares dos sapatinhos de Dorothy (alterados no filme de prateados para vermelho para melhor potenciar a utilização do Technicolor) num leilão de objetos da MGM em 1970 foi lido por muitos como representando um fim simbólico da idade de ouro do cinema.
Em 2012, um dos pares foi adquirido em leilão por um valor não divulgado (mas que se comenta rondar os dois milhões de dólares), por um grupo de fãs para depósito no futuro Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Dois dos fãs que participaram chamavam-se Steven Spielberg e Leonardo DiCaprio.
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