David Cronenberg manteve-se fiel à sua reputação de mestre do "gore" com o seu novo filme "Crimes of the Future", apresentado esta segunda-feira em Cannes, com o qual manteve a sua obsessão por corpos e vísceras.

Ambientado num mundo em ruínas onde não existe a dor, o filme é protagonizado pelo ator fetiche do cineasta, Viggo Mortensen, na pele de um artista que exibe os seus próprios órgãos ao vivo.

Léa Seydoux como uma especialista do bisturi, e Kristen Stewart, como agente da polícia, completam o elenco desta história macabra, cujo lema é "a cirurgia é o novo sexo".

"Neste filme, tentei ver o que tinha dentro do corpo", disse Cronenberg à France-Presse (AFP).

"O meu interesse não é chocar e o meu objetivo não é que as pessoas saiam do cinema, mas pode acontecer", admitiu o realizador de 79 anos.

Os primeiros minutos do filme já são tensos, com a cena de um miúdo que acaba de ser asfixiado.

"À frente de seu tempo"

Crimes of the Future

"Existem coisas que não gostaria de ver, mas são muito específicas. Não gosto da crueldade, sobretudo a crueldade com as crianças [...] Não vou dizer que me choca, mas não gosto de ver", admite o cineasta, que tem três filhos e quatro netos.

Cronenberg conhece bem o género "gore". A primeira vez que competiu ao prémio máximo em 1996 com "Crash", uma história de sexo e acidentes de carro, levou o Prémio Especial do Júri.

Foi precisamente este filme polémico que inspirou a realizadora francesa Julia Ducournau, que ganhou a Palma de Ouro em 2021 com "Titane", que mistura sexo e automóveis.

Com "Crimes of the Future" é a sexta vez que este cineasta de culto, autor de "A Mosca" e "eXistenZ", disputa a Palma de Ouro.

Nesta segunda-feira, na passadeira vermelha, Cronenberg, com óculos escuros para se proteger dos flashes, esteve acompanhado dos seus atores principais.

Ele tem uma relação especial com Mortensen. Trabalharam juntos em múltiplas ocasiões, entre elas "Um Método Perigoso" (2011) e "Uma História de Violência" (2005).

"Temos uma amizade com o David e uma confiança que me permite deixar-me tentar coisas inusitadas que não tentaria forçosamente com outros, sem saber se o pedem pelo valor de um plano ou por um espetáculo", disse o ator à AFP.

Para ele, Cronenberg está "à frente do seu tempo" e os seus filmes têm que ser vistos "quatro ou cinco vezes seguidas" para entendê-los.

Convidado inusitado

"Eo", de Jerzy Skolimowski

Nesta segunda também foi exibido "Decision to leave", de Park Chan-wook, também na disputa pela Palma de Ouro.

O realizador sul-coreano, que ganhou fama com o ultraviolento "Oldboy" em 2003, apresentou agora um 'thriller' complexo e sofisticado, com romance incluído entre o polícia e a suspeita de um crime.

Metade dos 21 filmes em disputa pela Palma de Ouro já foi apresentada e alguns começam a destacar-se.

Entre eles surge "Triangle of sadness", uma sátira mordaz sobre o mundo atual do sueco Ruben Ostlund.

James Gray apresenta "Armageddon Time", um retrato de Nova Iorque dos anos 1980 pelos olhos de um miúdo e do seu colega de classe negro.

"Tchaikovksi wife", de Kirill Serebrennikov, emocionou na estreia da competição, mas foi ofuscado pela polémica presença do seu realizador russo, criticada por cineastas ucranianos.

O realizador iraniano Ali Abbasi surpreendeu com "Holy spider", que descreve a violência contra as mulheres no seu país.

A surpresa da mostra competitiva ficou com "Eo", do veterano cineasta polaco Jerzy Skolimowski, protagonizado por... um burro. Nesta ode à defesa dos animais e contra os maus tratos, o equino faz um périplo por vários locais insólitos para ele e descobre a violência humana.

Grandes nomes do cinema, já premiados anteriormente, ainda devem ser exibidos no festival. Entre eles estão "Tori and Lokita", dos irmãos Dardenne, sobre a amizade de dois jovens africanos exilados na Bélgica, e "Broker", do japonês Hirokazu Kore-eda, laureado em 2018 por "Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões".

O júri, presidido pelo ator francês Vincent Lindon, revelará o vencedor em 28 de maio.