A ideia para a investigação de Nadim era viajar pelo mundo, seguindo as pisadas de Tintin, para entender o impacto das imagens racistas contidas na obra de Hergé, tentando, ao mesmo tempo perceber que outras histórias tem a banda desenhada para contar nos vários países por onde passou.

Pelo caminho, levou consigo uma miniatura de Tintin, uma espécie de alter-ego que ia fotografando com alguns dos cenários mais emblemáticos do mundo como cenário.

O SAPO não viajou para encontrar Nadim mas falou com ele a um oceano de distância, via e-mail, numa altura em que ele já voltou a casa e está a escrever o livro sobre a aventura.

SAPO (S.): Quando foi a primeira vez que tomou contacto com os álbuns de Tintin?

Nadim Damluji (N.D.): Lembro-me de ler Tintin pela primeira vez na casa de um amigo em Beirute quando tinha nove anos [Nadim foi morar para Beirute em tenra idade mas viria a voltar para os Estados Unidos]. Foi nas páginas de Tintin que aprendi francês e foi também lá que descobri o prazer da aventura e das viagens. Desde esses momentos de infância que sou um fã. Independentemente de ter adorado muitas bandas desenhadas que li depois, Tintin foi a minha base, o meu primeiro amor.

S.: Como surgiu a oportunidade de viajar pelo mundo seguindo os passos da personagem criada por Hergé?

N.D.: Durante a faculdade ouvi falar de uma oportunidade, através da Fundação Thomas J. Watson, que financia recém-licenciados para um ano de viagem, durante o qual irão desenvolver uma investigação, proposta pelos próprios. Na altura, estudava Política na Universidade de Whitman. Estava a ler o trabalho de Edward Said e de outros autores pós-coloniais ao mesmo tempo em que estava a revisitar o trabalho de Hergé em Tintin.

Fiquei chocado por encontrar tantos retratos racistas e orientalistas na banda desenhada de que me lembrava com tanto carinho da minha infância. A partir desta contradição (adorar algo tão racista) nasceu a minha ideia de pesquisa. Propus um ano para seguir as pegadas de Tintin de maneira a reunir o encanto do racismo de Hergé e, ao mesmo tempo, explorar histórias alternativas da BD nesses locais. Tive a sorte de passar o processo de seleção e a minha investigação acabou por decorrer de Julho de 2010 a Julho de 2011.

S.:A que países foi?

N.D.: Viajei até à Bélgica, à França, ao Egito, aos Emirados Árabes Unidos, a Taiwan e à China. Passei quatro meses na Europa, quatro no Médio Oriente e quatro na Ásia.

S.: Como decidiu o seu itinerário de viagem?

N.D.: O meu itinerário de viagem foi mudando em relação à minha proposta inicial, na maior parte das vezes para ajudar a minha pesquisa. Por exemplo, tinha planeado ficar por um curto período de tempo no Egito mas estava a ter uma experiência tão gratificante a descobrir nos mercados locais a história da banda desenhada naquele país que decidi prolongar a minha estadia.

Mal sabia que esse prolongamento me ia levar a estar por lá durante a revolução egípcia, permitindo que eu me envolvesse numa verdadeira aventura ao estilo Tintin. Outros destinos como Taipei e Hong Kong também decidi visitar já durante a minha jornada devido ao entusiasmo à volta da BD nessas regiões.

S.: Como surgiu a ideia de fotografar a miniatura de Tintin junto aos locais icónicos de cada país?

N.D.: Tinha comprado o boneco num mercado de rua belga (muito semelhante com aquele onde Tintin vai no início de «O Segredo do Licorne») e guardei-o no bolso como amuleto durante as minhas viagens. Durante uma visita a Alexandria, no Egito, num dia de sol magnífico junto à praia, lembrei-me que seria divertido tirar uma fotografia do meu boneco como se se tratasse de um postal de boas-vindas ao Egito. Depois disso, tornou-se viciante. Saía do meu percurso para ir tirar as fotografias em todo o lado. Na mesquita de Sheikh Zayed, em Abu Dhabi, pediram-me para não o fazer porque era considerado uma falta de respeito. Acabei por conseguir a fotografia de outra maneira.

S.: Agora que voltou aos Estados Unidos, em que fase está a sua investigação?

N.D.: Estou neste momento a transformar o meu ano de viagens num livro e a mergulhar de forma mais profunda nos vários livros de BD que recolhi durante o meu percurso. Tenho estantes cheias de livros de BD do Médio Oriente e da Ásia que recuam até à década de 50, assim como muitas entrevistas com artistas contemporâneos sobre a importância da BD naquelas regiões.

Mas a verdade é que já estou com vontade de voltar às viagens. Afinal, Tintin viajou por muitos mais sítios nos livros, incluindo a América do Sul, a África e…a Lua!

Fotos: Nadim Damluji

Blogue de Nadim Damluji