A ideia de assustar (e ser assustado…) como 'fait-divers' nasceu com a literatura gótica – escritos do século XVIII que visavam espantar as certezas de uma época racionalista e buscar verdadeiras emoções.

Desde o primeiro exemplar, onde o terror vinha de fantasmagóricas aparições sobrenaturais (“O Castelo de Otranto”, de Horace Walpole, em 1764), que os autores têm usado a imaginação para atingir o seu público num dos seus mais primitivos sentimentos: o medo.

Os fantasmas

Os fantasmas e as entidades sobrenaturais foram os vilões das primeiras histórias góticas: eles surgiam normalmente em caves e labirintos subterrâneos para onde fugiam desesperadas e virtuosas donzelas perseguidas por um vil aristocrata – antes de serem salvas por um nobre cavaleiro. Depois de Walpole, uma quantidade de histórias destas, normalmente escritas por mulheres, povoaram a cultura popular do século XVIII. Por estas alturas, o terror residia no simples facto deles existirem e não havia qualquer “comunicação” com o 'lado de lá'.

No cinema de terror o sobrenatural demorou a entrar no jogo – o que corre através dos famosos copos sobre a mesa pelos quais se dá a “conversa” com o além em “A Casa Assombrada” (Lewis Allen, 1944). As aparições foram pontuais até “The Amityville – A Mansão do Diabo” (Stuart Rosenberg,1979) – a partir do qual uma onda fantasmagórica se disseminou pelos 80s. Estes vilões invisíveis estão presentes nas sagas recentes bem-sucedidas, como “Insidioso” (James Wan, 2011) (imagem à direita) e “A Evocação” (James Wan, 2013).

O terror do “Mal Absoluto”: Satanás

Ao contrário da crença popular, Satanás tem apenas um modesto papel no Antigo Testamento, muito distante de ser “o grande inimigo de Deus” e da Cristandade.

No alvorecer da literatura gótica seu estatuto tampouco era invejável: no Século das Luzes não havia outro lugar para ele senão o de ser considerado uma grande anedota. Foi quando ele encontrou humanos para negociar as suas almas em trocas de favores mundanos é que a sua sorte começou a mudar.

O primeiro pacto foi no sarcástico “O Monge”, de Matthew Gregory Lewis” (1796) seguido por “Melmoth, o Viandante”, de Charles Maturin (1820); na alta literatura foi Goethe a celebrar o mito de Fausto e seus acordos espúrios com Mefistófeles (“Fausto”, 1808).

Foram estes mitos que inspiraram as suas aparições no cinema Expressionista alemão. Depois disto e excetuando-se algumas pontuais aparições de adoradores do diabo, foi só no final dos anos 50 que ele começou a revelar-se algo temível nos filmes.

Após uma década de satanismo generalizado,e já tinha direito a um filho entre os homens (“A Semente do Diabo”, Roman Polanski, 1968) e, após cinco anos, aterrorizaria o mundo no corpo de uma menina de 12 anos no mítico “O Exorcista” (William Friedkin, 1973) (imagem).

As criaturas da noite: os vampiros

No Romantismo (início do século XIX) a busca por emoções fortes tornou-se uma regra e valia tudo – particularmente desenterrar obscuras e ancestrais lendas e folclores, pagãos ou cristãos, que infestavam os campos europeus. E foi então que lord Byron, o grande ícone romântico por excelência, e o seu médico, John Polidori, inauguraram a mitologia vampiresca para as massas.

De autoria litigiosa, “O Vampiro” (1819), efetivamente assinado por Polidori, mas sob acusação de plágio por Byron, traz pela primeira vez uma figura aristocrática a circular pelas altas esferas londrinas e a vitimar jovens indefesas sugando-lhes o sangue.

Os leitores do século XIX endossaram a paixão pelos vampiros, que aparece em diversos momentos na literatura popular até Bram Stoker, em 1897, criar o mais icónico entre eles – o Conde Drácula.

Esta história muito vitoriana e cristã trazia da exótica Transilvânia uma terrível ameaça à Cristandade puritana – onde o protagonista como encarnação do mal trazia em si uma associação com a sexualidade. Não por acaso, a sua principal vítima londrina é a ardente Lucy, enquanto o 'puro' Jonathan Harker era atacado pelas 'noivas' de Drácula num trecho de forte conotação sexual.

A história de Bram Stoker inspirou o primeiro filme do ciclo da Universal dos anos 30 que inventou o género terror – a versão homónima de Tod Browing (1931). Numa das sequências mais célebres, Drácula (Bela Lugosi) exclama do alto das escadarias após ouvir o uivo dos lobos: “Listen to them, the creatures of the night...What a music they make!” [Oiçam-nos, as criaturas da noite... que música eles criam].

O livro de Stoker também se apropriou de muitas características atribuídos aos “sugadores de sangue” no século XIX e no próprio folclore para criar o vampiro mais facilmente reconhecível – com a sua imortalidade, os seus dentes pontiagudos, o pavor do sol e das cruzes, o facto de não ser visto no espelho e de dormir num caixão, entre outros.

Existem dezenas, senão centenas, de histórias com estes sugadores de sangue concebidas para cinema e televisão. Drácula e os vampiros na cultura popular remetem a um alucinante 'shapeshifting': de criaturas sensuais como em “Drácula de Bram Stoker” (Francis Ford Coppola de 1992) (imagem) e na série televisiva “Sangue Fresco” (criada por Alan Ball em 2008), eles passam a reles e sujos em “Vampiros de John Carpenter” (1996), aparecem cheios de estilo em ambientações 'arthouse' (“Só os Amantes Sobrevivem”, Jim Jarmusch, 2013), cercados de melancólica poesia em “Byzantium” (Neil Jordan, 2012) ou desespero existencial em “Nosferatu, o Fantasma da Noite” (Werner Herzog, 1979).

Em esferas mais baixas, sua capacidade de mutação foi tal que Drácula já serviu de inspiração para pantomina em CGI (“Drácula: A História Desconhecida”, “Van Helsing”) e os vampiros para romances de cordel (a saga “Crepúsculo").

Quem tem medo do lobo mau?

Outra criatura cuja origem se perde nos tempos de lendas ancestrais é o lobisomem. Mas este, diferente dos vampiros, teve os seus atributos hoje reconhecíveis fixados pelo cinema – e a façanha deve-se a “O Homem Lobo” (George Waggner, 1941) (imagem) – o último grande clássico do ciclo da Universal que o apresentava metido numa fábula por uma floresta enevoada plena de simbolismos psicológicos e insinuações sexuais. O filme fixou a imagem popular do vilão: refém da sua condição, transforma-se em lobo nas noites de lua cheia – a partir daí tornando-se selvagem e atacando quem estiver no seu caminho.

Diferente de outros vilões, no entanto, a condição do lobisomem frequentemente aparece digna de pena, com ele sendo a vítima de uma maldição que não pode controlar. É o que acontece em outro marco da sua evolução nos filmes, “A Maldição do Lobisomem” (Terence Fisher), projeto dos míticos estúdios Hammer de 1961.

A partir dos 80 ele volta a ser uma grande estrela – particularmente com o clássico dos efeitos especiais “Um Lobisomem Americano em Londres” (John Landis, 1981), para além do protagonismo em filmes como “O Uivo da Fera” (Joe Dante, 1981).

No século XXI, a saga “Tentadora Maldição” (John Fawcett, 2000) foi apenas uma das formas da sua nova vida – que inclui duelos com vampiros em “Sangue Fresco” e, outra vez, em “Crepúsculo”.

Os monstros dos pobres: os zombies

Nos nossos tempos, os zombies gozam de grande “estatuto”: presentes em inúmeros filmes a partir dos anos 80, em alguns dos mais aterrorizantes do século XXI, chegaram ao auge da popularidade na televisão (“Walking Dead”) (imagem) e até nos 'blockbusters' – com Brad Pitt encabeçando o fim do mundo adocicado de “WWZ – Guerra Mundial” (Marc Forster, 2013).

Mas nem sempre foi assim: quando o produtor Victor Halperin inspirou-se num livro de viagens sobre o vodu do Haiti para criar o seu “White Zombie” (1932), uma das motivações foi que os monstros mais famosos tinham direitos assegurados pela Universal. Assim, os mortos-vivos foram os primeiros vilões nascidos no cinema e não na literatura. Eles aqui eram escravos de um plantador de cana-de-açúcar; apesar de bastante ameaçadores, não tinham vontade própria e eram manipulados pelo seu 'proprietário' (o mítico Bela Lugosi) que os desenterrava através de poções mágicas.

O filme da Hammer dos anos 60, “The Plague of the Zombies” (John Gilling, 1966) foi um dos últimos a tratá-los como escravos, embora rebeldes; dois anos depois, George Romero introduziu o apocalipse zombie num dos maiores clássicos do cinema de terror – “A Noite dos Mortos Vivos” (imagem).

Aqui, a história era outra: mortos-vivos vindos ninguém sabe de onde eram (quase) indestrutíveis e faziam o que bem entendiam – e isso significava, essencialmente, alimentar-se dos vivos.

No fio da navalha: o colorido (de ketchup) mundo dos 'serial killers'

Os vilões góticos foram perdendo força para os 'serial killers' e abriram-se as portas da ultraviolência gráfica nos anos 60.

“Psico” (1960) (imagem) foi um dos mais famosos exemplares, mas aqui ainda funcionava alguma subtileza: a faca do perturbado Norman Bates mal se vê, o filme foi concebido em preto-e-branco porque, segundo o seu autor, Alfred Hitchcock, 'a visão do sangue a correr seria intolerável', e uma verdadeira pirotecnia de montagem 'aparava' os golpes na audiência na célebre cena do esfaqueamento no chuveiro.

Vilões mascarados e armas “sofisticadas”

13 anos depois foi tudo muito diferente. “Massacre no Texas” (Tobe Hooper, 1973) trazia um Leatherface apetrechado com maquinaria mais sofisticada – fazendo vítimas com uma serra elétrica num filme que até trazia desventurados pendurados num gancho usado nos talhos! Leatherface foi pioneiro primeiro vilão mascarado reconhecível pelo grande público nesta obra que prenunciava o ciclo dos slashers.

Já o infame Michael Myers (imagem) iniciou a sua vida nos ecrãs literalmente 'a matar': com apenas seis anos já fazia a primeira vítima – a sua pobre irmã. “Halloween” (John Carpenter, 1978), que em Portugal se chamou "O Regresso do Mal", foi considerado, pelo sucesso que obteve, o verdadeiro fundador da vaga (ou da praga…!) 'slasher' que se abateu sobre o planeta nos inícios dos anos 80.

À procura de adolescentes para esquartejar

A dispor de um arsenal de lâminas afiadas e inspirados nas brutalidades do 'giallo' italiano, assassinos mascarados especializaram-se em esquartejar adolescentes (com preferência por meninas sexualmente liberais…) em casas isoladas, acampamentos, praias, parques etc. etc..

O mais famoso do ciclo foi “Sexta-Feira 13” (Sean Cunningham, 1980), de onde surge o perturbado Jason Voorhees, embora no primeiro filme mais como uma vítima. A sua capacidade de sobrevivência foi proporcional a quantidade de más sequelas que o público quis suportar.

Quando a chama 'slasher' parecia prestes a extinguir-se veio direto do mundo dos sonhos o inventivo “Pesadelo em Elm Street” (Wes Craven, 1984) (imagem) e o seu aterrador vilão: Freddy Krueger.

O seu perfil era particularmente pérfido – de assassino de crianças incinerado pelos pais das vítimas a um quase indestrutível monstro que atacava adolescentes enquanto estes dormiam.

Sem fim à vista para os assassinos em série, um dos mais recentes, Jigsaw, desenvolveu artimanhas mais elaboradas para chacinar os incautos – os jogos da saga “Saw - Enigma Mortal” (James Wan, 2004).

Pesadelos para o novo século

As fantasias macabras estão mais fortes e diversificadas do que nunca. Seja pela catarse, pelos sustos ou, mais elaboradamente, para espreitar o 'lado escuro' do ser humano, multidões continuam a ver filmes de terror – um dos géneros mais longevos do cinema.

Com as confusões e multiplicidades típicas do século XXI, todas as ameaças enunciadas e muitas outras não mencionadas aqui são válidas – como a edição em curso do MOTELx facilmente pode demonstrar.

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