A história de "Nação Valente", integrado na competição do Festival de Cinema de Locarno (Suíça), passa-se em dois momentos temporais, já no final da guerra colonial, cruzando duas realidades: a de grupos independentistas, que reclamam os seus territórios, e a de militares portugueses, ancorados ainda aos ideais nacionalistas de defesa da Pátria.

"Interessou-me sempre, de um ponto de vista cinematográfico, uma história que se passasse num tempo de guerra e num contexto de uma guerra que nós associamos a uma história muito recente de Portugal", explicou o realizador.

Mas, na verdade, a Guerra Colonial, intimamente relacionada com a ditadura do Estado Novo, foi o mote que Carlos Conceição encontrou para refletir sobre a atualidade.

"O gatilho para que o filme acontecesse foi eu ter começado a perceber que no mundo todo havia uma espécie de ressurgimento dos ideais nacionalistas, da extrema-direita, de um certo conservadorismo em termos de tudo o que diz respeito à Cultura, à História, à nossa identidade e isso ser uma questão mais ou menos cíclica, que traz, a cada nova volta, um retrocesso", explicou.

"Nação Valente" tem "um título irónico", que remete para o hino nacional e para "uma ideia de orgulho que é despida e exposta" no filme, a propósito da narrativa central, sobre um coronel, um grupo de jovens militares e um misterioso muro no meio do mato.

"Eu gosto de pensar que este filme não é tanto sobre a Guerra Colonial quanto é sobre as ideias velhas, esses muros que ainda não conseguimos transpor. Nós, as pessoas. Eu considero que os transponho diariamente e eu acho que toda a gente deve fazer esse esforço de transpor essas ideias antigas, essas ideias velhas e ultrapassar os preconceitos e as limitações que certos conservadorismos implicam", afirmou.

Carlos Conceição nasceu em Angola, em 1979, filho de três gerações de angolanos, há mais de cem anos ligados ao país. O realizador, que tem nacionalidade angolana e portuguesa, já tinha abordado no cinema a relação com Angola e África, nomeadamente em "Serpentário" (2019), a primeira longa-metragem.

"Foi-me apontado, em relação ao 'Serpentário', que tinha de controlar o meu discurso, que eu não tinha o direito de filmar África por causa da minha cor, do meu passado. Eu não sou neto de colonialistas, Angola já era território considerado português quando a minha família foi para lá. Eu sou o resultado da terceira geração. Esta é a minha história e eu sou muito crítico, tenho o direito de a explorar, partilhar, de refletir sobre ela, de a escrutinar", justificou.

Sobre "Nação Valente", Carlos Conceição diz que encontrou também "alguma resistência".

"Levantou-se outra vez, na preparação, uma certa preocupação de até onde o meu discurso, enquanto homem branco, podia chegar. A minha preocupação sempre foi que o filme era sobre essas ideias antigas e sobre o ressurgir dos nacionalismos, e era uma crítica", afirmou.

O realizador espera que "Nação Valente" leve os espectadores a colocarem questões sobre o seu passado histórico, nomeadamente com as ex-colónias, e sobre as implicações ainda no presente.

"Há uma tendência para parar de mostrar o racismo, por se achar que a representação do racismo caiu numa espécie de círculo vicioso de representação por 'clichê', quando na verdade não se pode nunca deixar de falar de racismo. O trabalho não está acabado. (...) É preciso mostrar, acusar, evidenciar, discutir, dissecar e, provavelmente, se for através da repetição, que seja", defendeu.

"Nação Valente", que faz parte da competição internacional de Locarno, é uma coprodução entre Portugal, Angola e França.

O filme conta com a participação de atores como João Arrais, Anabela Moreira, Gustavo Sumpta e Leonor Silveira.

O cinema de Carlos Conceição tem tido presença regular em festivais, nomeadamente as curtas-metragens "Boa Noite Cinderela" e "Coelho Mau", exibidas em Cannes, "Serpentário", estreada em Berlim, e a média-metragem "Um Fio de Baba Escarlate", premiada em Sevilha

A 75.ª edição do Festival de Cinema de Locarno decorrerá de 3 a 13 de agosto.

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