Morreu Mickey Kuhn, ator infantil e juvenil da era dourada de Hollywood dos anos 1930 e 1940, confirmou a sua esposa à imprensa dos EUA.

Com 90 anos e residente na Flórida, era o último sobrevivente da longa lista de atores que apareciam nos créditos no início do clássico "E Tudo o Vento Levou" (1939): bateu a concorrência de 100 crianças para ser Beau Wilkes, o filho de Ashley (Leslie Howard) e Melanie Wilkes (Olivia de Havilland). Tinha seis anos.

O seu momento mais mais importante é perto do final do filme, na cena em que Melanie está a morrer e Beau está nos braços do pai e pergunta-lhe "Para onde está a ir a minha mãe? E por que não posso também ir, por favor?".

"E Tudo o Vento Levou"

Ironicamente, Mickey Kuhn e Olivia de Havilland nunca se conheceram na rodagem: "Elsa estava sempre atrás da porta a morrer. Nunca trabalhei diretamente com ela", recordou numa entrevista ao jornal Naples Daily News em 2017.

Os dois só se conheceram em 2006, na festa de aniversário de Olivia de Havilland, e passou a telefonar-lhe a partir daí sempre no dia do aniversário até à sua morte em 2020, aos 104 anos.

O ator tinha pena que "E Tudo o Vento Levou" fosse criticado na atualidade por romantizar o velho Sul dos EUA pré-Guerra Civil (1861-1865) e a era dos escravos.

"É um filme. Não se pode voltar atrás no tempo e dizer que não aconteceu", dizia em 2017.

À ESQUERDA, MICKEY KUHN COM O PRODUTOR PATRICK CURTIS NUMA HOMENAGEM DA ACADEMIA DOS ÓSCARES AO CLÁSSICO A 18 DE MAIO DE 2009.

Vivien Leigh, que interpretava Scarlett O'Hara, era a sua atriz preferida: Mickey Kuhn foi o único ator a aparecer nos dois filmes onde ela ganhou o Óscar de Melhor Atriz. Além de "E Tudo o Vento Levou", foi em "Um Eléctrico Chamado Desejo" (1951), quando ele tinha 18 anos e interpretou um marinheiro que dava instruções a Blanche DuBois para apanhar o elétrico que a levaria à casa onde vivia a sua irmã Stella.

Quando soube que ele tinha sido Beau Wilkes, a atriz pediu a um assistente para lhe dizer que a visitasse num intervalo na rodagem e conversaram.

"Ela perguntou pela minha carreira o que tinha andado a fazer. Era lindíssima. Uma das pessoas mais simpáticas que conheci. Foi muito graciosa", recordava.

Já John Wayne era o seu ator preferido, depois de terem trabalhado noutro clássico, "Rio Vermelho" (1948), onde Kuhn era a versão mais jovem de Matt Garth, o papel interpretado em adulto por Montgomery Clift.

"Primeiro que tudo, ele era um perfecionista. Ensaiávamos a cena cinco vezes", revelou.

O western foi rodado em 1946 e Wayne perguntou antes se podia bater nele a sério na cena onde Thomas Dunson dava uma bofetada a Matt para o despertar do estado de choque após toda a sua família ser massacrada pelos índios e tirar-lhe uma arma das mãos: "Olhei para ele e o que se pode dizer a uma grande estrela de cinema? Disse 'Pode ser, senhor Wayne'. Ele deu-me bem".

"Rio Vermelho"

Outro clássico na carreira foi em "Flecha Quebrada" (1950), quanto tinha 17 anos, ao lado de James Stewart, que o impressionou: a estrela foi ao seu encontro, chamou-o pelo primeiro nome e apresentou-se como Jim Stewart, recordando-se que tinham trabalho juntos noutro filme, "A Cidade Mágica" (1947).

Pouco depois da rodagem de "Um Eléctrico Chamado Desejo", Mickey Kuhn alistou-se na Marinha, onde esteve quatro anos e saiu em 1955. Por essa altura, a carreira no cinema estava a terminar e teve pequenos papéis nos seus últimos filmes, "Os Bravos Não Voltam Costas" (1955) e "A Epopeia do Pacífico" (1956).

Hollywood era dominada pelos westerns e a sua mãe não gostava: "Dei-lhe ouvidos. Era um filho obediente. Na sua cabeça, eu era um melhor ator do que um ator cowboy, mas não era".

Ainda entrou em alguns episódios da série "Alfred Hichtcock Apresenta", mas achou que aquele meio para ele. Após a retirada artística, teve vários empregos na Pepsico e American Airlines antes de se reformar em 1995 e ir viver com a família na Flórida.

Filho de um cortador de carne e de uma dona de casa, Theodore Matthew Michael Kuhn Jr. entrou no mundo do cinema após uma estranha ir ao encontro da sua mãe numa loja e comentar que ele, então com 18 meses, podia passar por gémeo do seu filho que tinha nos braços.

Informando-a que faziam audições no dia a seguir para gémeos nos estúdios da Fox, propôs o "estratagema" com as duas crianças.

Numa sala cheia de mães ansiosas com os seus filhos, passou um homem de fato que olhou para Kuhn e disse "este é o bebé que quero no meu filme".

Foi o momento que mudou a vida da família: o filme chamou-se "O Primeiro Amor" (1934) e tinha como protagonistas Janet Gaynor e Charles Farrell.

Seguiram-se papéis em "A Doctor's Diary" (1937) e "A Derrocada de um Império" (1939), este ao lado de Paul Muni e Bette Davis, que considerou a sua primeira grande oportunidade de se destacar, recebendo uma quantia considerável para a época: "ganhei 100 dólares por semana".

Em 1939, também foi o ano em que os pais dos atores infantis ficaram desiludidos ao saber que estas estavam excluídas das audições para "O Feiticeiro de Oz": os país queriam os seus filhos como Munchkins, o estúdio queria anões a sério adultos.

Consolação: no caso de Kuhn, seguiu-se a chamada para "E Tudo o Vento Levou"...