"Chronic” estreou em Cannes em maio de 2015, mas foi no Festival de Berlim, em fevereiro do ano seguinte, que o realizador mexicano Michel Franco conversou com o SAPO MAG sobre o seu último trabalho, que estreia nas salas portuguesas esta quinta-feira (14).

Na ocasião, o cineasta participava da Berlinale na condição de jurado para Melhor Filme de Estreia enquanto aguardava que o filme, vencedor da Palma de Ouro de Melhor Argumento, estreasse no seu país natal – também em abril.

O projeto traz Tim Roth (de “Cães Danados” e “Pulp Fiction”) como protagonista, que interpreta um enfermeiro dedicado que utiliza o seu tempo a cuidar de pacientes terminais a fim de lhes dar a maior dignidade possível num momento particularmente difícil da existência – a eminência da morte. Afinal, constata-se que ele precisa tanto deles quanto o contrário…

Michel Franco deu nas vistas com “Despúes de Lucía”, que causou impacto na secção 'A Certain Regard' do Festival de Cannes em 2012, onde um dos membros do júri era, precisamente, um petrificado Tim Roth.

Com uma carreira muita ativa como produtor, Franco também participou nesta função em “Desde Allá”, que será exibido no IndieLisboa na próxima semana.

Nesta conversa, o realizador falou sobre os temas sombrios dos seus filmes e sobre as tonalidades autobiográficas da história, revelando ainda ser um grande fã do português Pedro Costa…

“Despúes de Lucía” tratava de 'bullying' e depressão, “Chronic” foca-se em doentes terminais. Você tem uma atração pelo lado escuro da vida…

Michel Franco: Não necessariamente, gosto de vários assuntos… Acho que o cinema é interessante para falar de vários temas que me têm obcecado, que me interessam muito. Talvez também tenha a ver com a altura e, possivelmente, vou fazer filmes diferentes no futuro.

Uma comédia, talvez.

Sim, absolutamente! [risos]. Também se podem fazer comédias sobre estes assuntos.

Neste caso, o que o interessava particularmente?

Quando era garoto, percebi o que toda a gente faz quando a vida chega ao fim. Acho que quando nos damos conta da morte é que percebemos a vida. Sempre tento fazer filmes que me ajudem a entender melhor quem sou e quem somos como sociedade, a forma como nos comportamos.
Interessava-me a questão da doença e do fim da vida, um período complicado que pode ser bastante longo e doloroso. Queria pensar sobre como viver com maior dignidade, com menos dor e perceber também como as pessoas à volta do doente se comportam. Da mesma forma, era importante contar a história do ponto de vista do enfermeiro, pois é alguém que está permanentemente ligado a estas pessoas. O filme foi inspirado na minha avó e foi a sua relação com a enfermeira que me chamou a atenção, a forma como elas ficaram conectadas. 

A história tem um pano de fundo autobiográfico, portanto….

Todos os meus filmes tem a ver, de alguma forma, com a minha vida. Em “Despúes de Lucía” por exemplo, o meu assunto, ao contrário do que toda a gente disse, não era o 'bullying', tinha mais a ver com as minhas próprias experiências – que utilizo inicialmente sem fazer pesquisas. Depois é que as faço. O que quero dizer é que não sou eu quem procura as experiências, elas acontecem.

No caso da sua avó, era próximo dela?

Sim, era, e houve um processo de doença onde ela esteve muitos meses na cama e decidi escrever o filme. Desde 2010 que vivo estas experiências, depois dela houve a morte de pessoas próximas. Mas não procuro obter respostas ou soluções, pois lidar com isso nunca é fácil. Posso dizer várias coisas sobre o que penso, mas quando chegar a minha vez não sei como vou reagir. Ninguém sabe. E os filmes podem não ajudar.

Voltando à questão dos temas, acha que algum dia pode mudá-los para atingir um público maior?

Sempre quero que os meus filmes sejam tão populares quanto possível, apenas nunca os faço de uma maneira que os tornem mais comerciais. Faço aquilo que é preciso fazer e espero que resulte com o público. Certamente quero que um número grande de pessoas aprecie o meu trabalho.
De qualquer forma tenho apenas 36 anos e é apenas o quinto argumento que escrevo. Portanto, não é como dizer ‘Isto é o que faço’ e pronto. Se começar a definir-me vou criar uma fronteira, ficar limitado. Nunca sei sobre o que o novo filme vai ser e não faço ideia do que vou estar a fazer daqui a dez anos. Espero que seja diferente pois as carreiras dos melhores realizadores são aquelas onde eles se permitem mudar bastante.
Também gosto de pensar que estou entre os cinemas comercial e de autor. “Despúes de Lucía” foi visto por um milhão de pessoas no México. Ele não era direcionado a um públio específica e foi muito discutido nos media. “Chronic” será lançado em abril também em 230 salas. Não gosto de pensar que não faço filmes para o público, gosto de me situar entre os dois mundos. Isto é o melhor que se pode fazer, tentar fazer um bom filme, mas para o público, não para os críticos ou para os realizadores.

Por falar em audiência, como foi a passagem por Cannes?

Foi uma experiência muito boa. As pessoas realmente entraram no filme e, inclusive em alguns momentos onde era suposto as pessoas rirem, isso aconteceu de acordo com o que eu esperava. Houve muitos comentários sobre o final do filme, muita conversa sobre o trabalho do Tim Roth e sobre todos os atores. As pessoas ficaram envolvidas de uma forma positiva.

Como foi a entrada de Tim Roth no projeto?

Bom, ele foi júri do 'A Certain Regard' quando estive lá com o “Despúes de Lucía”. Claro que gostou do filme, ficou mesmo obcecado com ele. Ele estava muito intrigado e queria saber qual seria o meu próximo projeto. Contei-lhe a história da enfermeira, que era suposto ser uma mulher e ser realizado no México.
O Tim Roth também estava a lidar com doenças e enfermeiros e o assunto interessava-o. Claro que também achei excelente a ideia de trabalhar com ele e depois acabei por perceber que ter uma mulher seria mais óbvio e ter um homem como enfermeiro trazia uma hipótese repleta de possibilidades.

O que conhece sobre Portugal?

Nunca estive lá e adoraria ir. Um dos meus realizadores favoritos é Pedro Costa. Gosto muito deste último, “Cavalo Dinheiro”, e do “Quarto da Vanda”, por exemplo.

O cinema mexicano tem tido uma enorme expansão nos festivais internacionais…

Sim, é verdade, todos os festivais importantes e também o Óscar…

Por que acha que isso tem acontecido? Há um suporte estatal?

Sim, isso tem resultado bem. As pessoas queixam-se do tempo de espera como em qualquer outro lugar, mas a verdade é que há 12 anos 18 filmes eram feitos no México por ano e agora são cerca de 130. Por outro lado, após “Despúes de Lucía”, não recebi qualquer dinheiro. Produzi os filmes com poucos recursos do meu próprio bolso e resultou, mas nunca se sabe.
É bom ter apoio dos festivais também. No último ano ganhámos aqui o prémio [Melhor Primeira Obra com “600 milhas”], depois fomos a Cannes com "Chronic" e depois em Veneza foi um Leão de Ouro por um filme que coproduzi, “Desde Allá”.

Falando em primeiras obras, como tem sido a experiência de ser júri?

Tem sido fantástico ver esta enorme quantidade de filmes tão diferentes em tão pouco tempo. E vou tentar fazer tudo com o máximo de cuidado, pois a minha experiência reflete bem o que um prémio num festival deste porte pode fazer por um filme…

Já tem novos projetos?

Ainda não posso adiantar nada, está na fase da escrita, muita coisa pode mudar. É o tipo de história que pode ser filmada tanto no México quanto nos Estados Unidos, sendo obviamente mais tentador fazer no primeiro pois é uma realidade que conheço melhor. Mas hoje são países muito ligados, podemos apanhar um voo entre México e Los Angeles e só falar castelhano.

Trailer "Chronic".

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